Com uma imaginação desmedida e um domínio técnico incomparável, estes foram os designers a marcar a alta-costura deste outono-inverno. As suas coleções trouxeram-nos beleza e uma boa dose de fantasia – criações que nos tiram os pés do chão e nos lembram que a moda também serve para sonhar.
Chanel: tradição reinventada
A Chanel apresentou em julho a sua coleção de alta-costura outono-inverno no Salão de Honra do Grand Palais, recriando o ambiente do emblemático salão da Rue Cambon, onde Gabrielle Chanel introduziu a simplicidade nas suas criações. A paleta de cores naturais – cru, marfim, castanho, verde e preto – foi enriquecida com espigas de trigo, símbolo de abundância, e presente em botões e bordados que evidenciam o savoir-faire dos ateliers. A coleção propôs um contraste entre a intimidade do espaço e a robustez das peças, com texturas densas, capas de tweed com ombros emplumados, botas até à coxa e efeitos trompe-l’oeil sofisticados. Inspirada pela paixão de Chanel pela Escócia, o tweed surgiu em silhuetas como saias com cauda de peixe e casacos com bolsos militares. Sob a direção criativa de Matthieu Blazy, prestes a assumir o cargo oficialmente, a coleção aponta para uma evolução subtil, misturando tradição e uma atitude mais selvagem e moderna.
Armani Privè: negro sedutor
Longe de ser monótono, o negro revela um universo de nuances e possibilidades infinitas. Giorgio Armani sempre se sentiu atraído por esta cor, que representa uma síntese de pureza gráfica, capaz de transformar qualquer silhueta numa marca intemporal. Nesta coleção de alta-costura, o designer explora o lado mais elegante, noturno e sedutor do preto, aprofundando novamente o diálogo entre o masculino e o feminino. A passerelle é aberta por peças fluidas adornadas com bordados vibrantes, antes de surgirem várias interpretações do smoking e do fraque. Blazers esculturais são usados diretamente sobre a pele ou combinados com camisas brancas, gravatas borboleta e calças justas, num equilíbrio perfeito entre tradição e modernidade.
Balenciaga: o canto do cisne de Demna
Na sua despedida da Balenciaga, Demna apresentou uma coleção de alta-costura elegante e precisa, deixando uma herança bem clean e o caminho aberto ao seu sucessor, Pierpaolo Piccioli. Com silhuetas esculpidas, cortes inspirados na alfaiataria napolitana e vestidos estruturados sem armações, desafiou os códigos tradicionais. A passerelle trouxe ainda uma aura gótica, com modelos pálidos e referências à família Adams, ao mesmo tempo que convidados célebres, como Kim Kardashian e Alexis Stone, participaram no desfile. Demna integrou peças icónicas, como gabardinas e bombers, com uma abordagem inovadora que sublinha que a roupa é definida pelo corpo que a veste. Filmou o desfile nas ruas de Paris para tornar a alta-costura mais acessível e relevante. Preparado para liderar a Gucci, o designer mostrou-se entusiasmado com os novos códigos que irá explorar, antecipando uma nova fase na sua carreira.
Maison Margiela: o caos como arte
Na sua estreia na Maison Margiela, Glenn Martens assumiu a difícil tarefa de suceder John Galliano, apresentando uma coleção Artisanal sombria e provocadora. No espaço subterrâneo Le Centquatre-Paris, Martens apresentou peças com pátinas envelhecidas, tecidos reaproveitados – desde couro vintage a ganga com tinta a óleo – e máscaras plásticas e metálicas que reforçaram a aura desconcertante. Inspirado pela arte flamenga do século XVII, misturou florais desbotados com materiais inusitados, explorando o equilíbrio entre o medieval e o distópico. Honrando o legado avant-garde de Margiela, Martens afastou-se da contenção para resgatar a teatralidade da casa. Pela primeira vez, a coleção Artisanal, até agora sobretudo conceptual, será disponibilizada para venda, abrindo caminho à vanguarda acessível e ao choque do novo.
Giambattista Valli: doce rebeldia
Na Semana de alta-costura de Paris, Giambattista Valli apresentou a coleção Haute Couture Nº29 como um sonho pastoral moderno, inspirado na leveza pictórica de Watteau e Fragonard. Vestidos em tule e organza, com bordados florais feitos à mão, desfilaram em tons de rosa-blush, lavanda suave e marfim. A Valli Girl surge delicada, mas não passiva: cada silhueta revela força na contenção e poder na leveza. Capas dramáticas, vestidos de cocktail etéreos e laços revelam equilíbrio entre opulência e precisão. Valli apresentou a coleção em formato íntimo, sem desfile, e foi homenageado com a insígnia de Officier de l’Ordre des Arts et des Lettres. Com esta coleção, Valli reafirma o seu lugar como poeta silencioso da alta-costura, celebrando a beleza serena num mundo em constante mudança.
Schiaparelli: regresso ao futuro
Com a coleção Back to the Future, Daniel Roseberry apresentou a sua proposta mais futurista até à data, antecipando um reset criativo num momento de grande mudança na alta-costura. Inspirado pelo caos criativo do período entre guerras – época em que Elsa Schiaparelli revolucionou a moda com o seu surrealismo – o designer reinterpretou arquivos a preto e branco em looks dominados por efeitos metálicos e estruturas esculturais. Vestidos justos revelavam o corpo com cortes arrojados, enquanto lantejoulas prateadas, bustiers de dominatrix e colares em forma de coração pulsante misturavam erotismo e ficção científica. A imagem de Cardi B com um corvo vivo à porta do Petit Palais deu o tom gótico. Numa indústria em transformação, Roseberry prepara-se para um novo ciclo, consciente de que para mudar o futuro, é preciso reinventar o processo.
Por Madalena Alçada Baptista