Por essência e inspiração, um perfumista é um verdadeiro ilusionista. Ele “brinca” com os nossos sentidos, desperta a imaginação e reaviva memórias. Nas suas mãos, matérias-primas ganham vida através da harmonização de notas. Um detalhe da Natureza, a doçura de um fruto ou o brilho de uma flor, que antes nos passava despercebido, é agora revelado e elevado pela criação, transformando o invisível em algo vibrante.
Em 1919, Jacques Guerlain revolucionou a perfumaria ao criar Mitsouko, um chipre frutado de textura aveludada que evocava a suavidade da pele de pêssego. Surpreendentemente, o fruto não fazia parte da composição, mas era recriado através de uma ilusão olfativa magistral. Essa sensação única foi possível graças ao aldeído C-14, um ingrediente sintético inovador descoberto em 1908. Pioneiro, Jacques Guerlain foi o primeiro a utilizá-lo, abrindo caminho para inúmeras fragrâncias icónicas. Em 2025, a Guerlain revisita o pêssego e eleva-o ao patamar da arte com Pêche Mirage, uma criação assinada por Delfine Jelk, diretora de criação e perfumista da maison, na mais recente obra da coleção L’Art et la Matière.
Para esta coleção, Delfine Jelk intervém com contrastes inesperados, misturando matérias-primas brutas em acordes surpreendentes, como o jogo de luz e sombra entre neroli e o chá fumado em Néroli Outrenoir, ou a fusão viciante entre couro cru e baunilha em Cuir Béluga. Pêche Mirage segue essa mesma filosofia: um perfume intenso e envolvente que equilibra a suculência da fruta com a profundidade do couro.
O pêssego é uma verdadeira maravilha olfativa. Ao toque, a sua pele revela uma gama de nuances que vão do fresco e ácido ao doce e cristalizado. Contudo, é impossível extrair diretamente o seu aroma para criar uma essência pura. Ainda hoje, para o integrar numa fragrância, a sua nota precisa de ser reconstruída com moléculas sintéticas. Seguindo os passos de Jacques Guerlain e o aldeído C-14 em Mitsouko, Delfine Jelk recorre a um novo ingrediente sintético: a Melbatone. Fruto da química verde, esta molécula amplifica a riqueza sensorial do pêssego, desde a polpa suculenta até à delicadeza da sua pele aveludada.
Pêche Mirage é uma ode às notas frutadas envolventes. A primeira impressão é voluptuosa e vibrante, com um pêssego sumarento realçado pela ousadia do açafrão e da groselha preta. À medida que a fragrância evolui, a vivacidade da fruta suaviza-se, encontrando um novo equilíbrio com o couro do osmanthus. No coração do perfume, esta tensão sensorial entre fruta e couro torna-se palpável, revelando uma sensualidade semelhante a uma segunda pele. O rasto intenso e viciante prolonga-se, aquecido pelo sândalo e pela tintura de âmbar, enquanto o acorde frutado mergulha na profundidade ambarada.
Para celebrar esta criação, a Guerlain convidou o artista visual Charles Pétillon para uma colaboração especial. Conhecido pelas suas instalações etéreas de balões brancos, Pétillon dá forma ao invisível, explorando a relação entre matéria e perceção. Para Pêche Mirage, o artista concebeu uma escultura aérea de balões que traduz a essência da fragrância: uma nuvem de moléculas perfumadas suspensas no ar. Esta visão poética estende-se à edição especial do perfume, cuja caixa colecionável surge em azul-celeste, evocando um céu onde os balões flutuam livremente. Além disso, a tampa do frasco é adornada com uma placa de cerâmica que ecoa a delicadeza da instalação artística, perpetuando a poesia do perfume na sua forma mais tangível.
“Embora invisível, o perfume evoca emoções e memórias profundas. As obras de Charles Petillon tornam-no visível. É uma forma de materializar o rasto”, afirma Delphine Jelk.