Madame Clicquot-Ponsardin formou um império da bebida de eleição para qualquer soirée e celebração, símbolo de glamour, luxo e extravagância. Numa época de restrições, e tendo ficado viúva com apenas 27 anos, a sua visão inovadora e resiliência revolucionaram o setor da mítica bebida francesa, tornando-se um exemplo da importância das mulheres não apenas no mundo dos negócios, mas na sociedade em geral.
Por detrás de uma das marcas de champanhe mais reconhecidas no mundo — Veuve Clicquot —, está a história inspiradora de Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin, uma mulher visionária que se tornou das primeiras empresárias do mundo moderno. Após a morte prematura do marido, a jovem viúva herdou o negócio de distribuição de vinhos da família Clicquot fundada pelo seu sogro em 1772. O seu objetivo era tornar-se produtora de vinhos, focando-se principalmente na bebida dourada e efervescente que se tornara popular durante o reinado de Luís XV.
É importante realçar que, neste período, não era permitido às mulheres trabalharem, votarem ou estudarem na universidade. Assumir a administração de uma vinícola era por isso impensável no século XVIII. Contudo, contra todas as convenções da época, madame Clicquot ficou à frente do negócio, recebendo apoio financeiro do sogro, com a condição de aprender mais sobre o ofício com o famoso enólogo Alexandre Fourneaux.
Apesar do investimento feito na sua formação, a casa vinícola viveu períodos difíceis, chegando inclusive perto de declarar falência. As guerras napoleónicas prejudicaram bastante o negócio, no entanto, foi a partir deste momento que madame Clicquot fez a sua jogada de mestre. Uma vez que os vinhos de Champagne, caracterizados pela sua doçura, eram muito apreciados na Rússia, decidiu investir neste mercado, tendo a garantia de que iria ser um sucesso. Em 1810, acabaria por criar o seu primeiro champanhe vintage, caracterizado por ser produzido a partir de vinhos de uma única colheita, comprovando a sua proeza inovadora. Este tipo de champanhe foi também o primeiro registado da região. O ano seguinte revelar-se-ia também marcante para a adega, devido à passagem de um cometa pela região, um acontecimento que foi visto como um bom presságio para a qualidade excecional da colheita, tendo dado origem ao vinho Le Comet Vintage.
Não obstante a aposta no mercado russo, os bloqueios navais acabaram por dificultar novamente a estratégia da jovem empresária, uma vez que impediam que os vinhos chegassem ao seu destino final. Madame Clicquot não se deu por vencida e, decidida a tornar realidade a sua visão, enviou um carregamento para a cidade de Amesterdão, onde ficou retido até ao final da guerra. Foi assim que, em 1814, as garrafas do requintado líquido dourado foram recebidas triunfantemente em São Petersburgo, onde tiveram um estrondoso sucesso. Pushi, Chekhov e Gogol foram algumas das personalidades do universo literário russo que enalteceram a bebida, acreditando-se inclusive que o próprio czar Alexandre I tenha dito que este seria o único champanhe que beberia. A partir deste momento, o nome de madame Clicquot passou a ser reconhecido e aclamado entre a corte e os membros alta sociedade.
Apesar do aumento da sua popularidade, as técnicas de produção não evoluíram ao mesmo ritmo da procura do champanhe Clicquot, cujo processo de produção era bastante demorado e dispendioso, devido à sua segunda fermentação, destacando-se dos vinhos convencionais. Mas, mais uma vez, madame Clicquot comprovou o seu engenho, ao criar, em 1816, a primeira table de remuage, uma mesa onde as garrafas podiam ser posicionadas num ângulo de 45 graus. A nova técnica permitia que, ao serem giradas um quarto de volta todos os dias, entre seis e oito semanas, os sedimentos e leveduras presentes nas garrafas se acumulassem gradualmente no respetivo gargalo. Este novo processo, conhecido por remuage, revolucionou o método de produção do champanhe. Ainda foi criado um cavalete especial, facilmente reconhecido por qualquer apreciador desta bebida de excelência, dado ainda ser usado atualmente. Contudo, devido à lealdade dos funcionários para com a grande dama do champanhe, os seus concorrentes só descobriram a razão por detrás da cristalinidade da bebida Clicquot décadas mais tarde.
O negócio continuou a crescer graças ao espírito desafiador da jovem empreendedora. Testando as tradições do mundo vinícola, foi pioneira na mistura de vinhos tintos Bouzy com o seu champanhe, dando origem ao seu primeiro champanhe rosé d´assemblage. Mesmo após a sua morte, em 1866, a maison não deixou de inovar. Registou a primeira patente do seu logótipo amarelo, uma cor não muito comum para a época, mas que é hoje um dos emblemas da marca. Mais recentemente, as suas crayères, antigas pedreiras de giz que fornecem condições perfeitas para o envelhecimento do champanhe, foram reconhecidas como Património Mundial da UNESCO.
O espírito empreendedor e pioneiro de Barbe-Nicole Clicquot-Ponsardin continua a ser celebrado pela marca na atualidade. Para celebrar o seu 200.º aniversário, foi lançado o cuvée vintage La Grande Dame, assim como um prémio, o Veuve Clicquot Business Woman Award, em homenagem ao seu espírito empreendedor e visão inovadora. Hoje, com 250 anos de história e savoir-faire, a marca continua a ser das maisons com mais prestígio na região vinícola de Champagne, cujo sucesso se atribui à jovem visionária que transformou um negócio quase falido num império de excelência.