Há apelidos que, não fazendo parte de uma família real, têm igual impacto quando são pronunciados. Rothschild é um desses nomes, sinónimo de riqueza incomensurável, mas também de filantropia, apoio às artes e, sim, muita Britishness. Jacob Rothschild, o quarto barão da linhagem, morreu em fevereiro último, aos 87 anos. Deixou uma fabulosa coleção de arte e um exemplo de generosidade, elegância e responsabilidade social.
Um excelente pretexto para visitar Waddesdon, a propriedade da família Rothschild, situada a cerca de uma hora de Londres, é conhecer uma das obras mais impactantes de Joana Vasconcelos: o Bolo de Noiva, uma obra in situ, de grande dimensão, “encomendada” à artista pela Fundação Rothschild. Apesar de Waddesdon Manor ter sido mandada construir por Ferdinand de Rothschild em 1870 – já com a missão de acolher as suas coleções de arte e receber a beautiful people da época –, lorde Jacob dedicou grande parte da sua vida a aumentar o espólio artístico da família e a apoiar vários tipos de artes.
Nathaniel Charles Jacob Rothschild nasceu, em 1936, na região de Bershire, em Inglaterra, no seio de uma família judaica. Estudou no Eton College, em Oxford – frequentado por vários “rapazes” da família real britânica ao longo dos anos, inclusive William, filho primogénito do atual rei – e, mais tarde, casou-se com Serena Dunn, com quem teve quatro filhos. Apesar de a profissão oficial do 4.º barão de Rothschild ter sido banqueiro e investidor, o legado maior que ele deixa é a filantropia, nomeadamente no universo das artes, uma paixão transversal a várias gerações da família.
A história deste clã milionário remonta ao século XVIII. Mayer Amschel Rothschild é considerado o fundador desta dinastia, que se estabeleceu inicialmente na Alemanha – Rothschild significa “escudo vermelho” em alemão. O imperador Francisco I da Áustria concedeu o brasão a esta família nobre judaica de banqueiros em 1822 e nele se podem ler, escritas em latim, três palavras: Concórdia, Integridade, Indústria. O apogeu de riqueza da família aconteceu no século XIX, altura em que constava que os Rothschild tinham a maior fortuna privada do mundo, rivalizando com famílias como os Berenberg ou os Baring.
Tirando partido das monumentais mudanças operadas pela Revolução Industrial na Inglaterra dos séculos XVIII-XIX, investiram na comercialização de algodão proveniente da América, usado na indústria têxtil britânica, expandindo assim a sua influência para fora da Europa.
Como acontece com todos os clãs endinheirados, nas várias épocas da história, também os Rothschild foram alvo de acusações. A polémica mais conhecida a envolver a família – entretanto já estudada e considerada como difamação pelo jornal britânico The Independent – afirma que Nathan Rothschild, o fundador da filial londrina do banco da família, teria feito circular o rumor de que a Inglaterra teria saído derrotada na Batalha de Waterloo – o célebre episódio bélico que aconteceu em 1815, no qual o duque de Wellington, líder do exército britânico, venceu as tropas francesas de Napoleão – com o objetivo de provocar um crash financeiro que lhe permitiria comprar ações a preço de saldo de muitíssimas empresas antes que os factos reais – a vitória de Inglaterra – chegassem aos ouvidos de todos.
Polémicas à parte – e que também servem para “apimentar” séculos de história –, a verdade é que o nome dos Rothschild, principalmente das últimas gerações, como é o caso do recentemente falecido Jacob, é sinónimo de mecenato artístico. Membro da Câmara dos Lordes do Parlamento Britânico entre 1991 e 1999, foi retratado por Lucian Freud (a quem emprestou dinheiro para o salvar das garras dos irmãos Kray – conhecidos gangsters britânicos do início do século XX) e David Hockney, tendo mantido uma relação próxima com muitos dos artistas seus contemporâneos, contribuindo para que pudessem fazer da arte um modo de vida. O que nos leva de volta a Waddesdon Manor.
Situada no vale de Aylesbury, conhecido por Rothschildshire devido ao número de propriedades que a família possui na região, é uma mansão de estilo renascentista francês – inspirada nos castelos do vale do Loire, em França – que chegou a ser visitado pela rainha Vitória em 1890. Atualmente, está aberto ao público, que pode não só admirar os interiores de um palácio que foi habitado e “vivido”, como a coleção de arte adquirida pela família ao longo dos anos. Além da mansão, os jardins convidam a passeios à la Downtown Abbey e, no Natal, Waddesdon fica ainda mais mágica com as decorações e uma programação própria da época. Outro dos locais da propriedade que se tornou obrigatório desde a sua inauguração, em junho de 2023, é o Bolo de Noiva, uma peça de autoria de Joana Vasconcelos que, além de arte, é arquitetura, escultura e engenharia. Construído – trata-se de um pavilhão escultórico com 12 metros de altura e três andares – na zona do Dairy (antiga área de leitaria da propriedade, agora preparada para eventos e, nomeadamente, casamentos), é uma comissão monumental da Fundação Rothschild feita de 25 mil azulejos Viúva Lamego, cerâmica e ferro forjado produzidos em Portugal. Além deste colorido bolo – que pode ser percorrido a pé, nos seus vários andares até ao topo onde habitualmente se colocam as figuras do noivo e da noiva –, existem mais duas obras da artista plástica portuguesa nos jardins de Waddesdon: um bule em ferro forjado intitulado Salon de Thé e dois candelabros gigantes feitos de garrafas de vinho Château-Lafite chamados Lafite.