“Quis sempre que a Quinta da Comporta fosse um local de encontro, de partilha, onde todos se sentissem em casa”
Cinco anos após a abertura de portas da Quinta da Comporta, Miguel Câncio Martins, arquiteto fundador deste wellness boutique resort, fala sobre o que o moveu e quais as expectativas para o futuro deste espaço apostado na arte de bem receber.
Qual considera ter sido a principal fonte de inspiração para o design e arquitetura da Quinta da Comporta?
Sendo este um projeto sobre o qual sonhei durante mais de trinta anos, aquilo que sempre me inspirou foi mesmo o lugar onde se encontra a Quinta da Comporta… A região, o estilo de vida local tão genuíno e com um ritmo próprio, mas especialmente aquele terreno exato onde hoje a nossa propriedade se ergue, de frente para a imensidão dos arrozais. Aquele que um dia foi um espaço comunitário onde todos se reuniam para a colheita e tratamento do arroz na eira, que até hoje se mantém como o coração da Quinta da Comporta. Aquele lugar onde se “vive” a ligação com a Natureza de forma única. O design e arquitetura da Quinta da Comporta refletem o respeito pelo local, a vontade de preservar a identidade única da Comporta e, ao mesmo tempo, procuram recriar esse sentido de comunidade. Quis sempre que o resort fosse um local de encontro, de partilha, onde todos se sentissem em casa.
Como avalia os cinco anos desde a abertura da Quinta da Comporta? O projeto evoluiu conforme as suas expectativas?
O projeto evoluiu de uma forma muito positiva em relação ao que estava previsto. Sendo um “organismo vivo”, vai-se também adaptando a novas tendências, a novas exigências dos clientes e a novas formas de viver (e trabalhar) a hotelaria. Claro que sempre acreditei no sucesso da Quinta da Comporta, sonhando que um dia se tornaria uma referência (como sinto que é hoje). Mas, de facto, superou as expectativas. É um balanço muito positivo, mas olhamos cada dia que temos pela frente com os pés bem assentes na terra e nunca baixando os braços. Continuamos a trabalhar para cumprir o nosso propósito, superando cada novo desafio.
Quais foram os principais desafios com que se deparou durante a conceção e construção do resort? De que forma foram superados?
A Quinta da Comporta é um projeto que surge de um sonho antigo. A Comporta faz parte da minha história pessoal, sendo um lugar onde vinha, em família, fazer férias. Apaixonei-me por esta região e fui alimentando o tal sonho de um dia poder fazer aqui “uma casa” onde pudesse receber e partilhar esta paixão pelo local e estilo de vida. Esta zona da Comporta foi, durante muitos anos, uma herdade privada da família Espírito Santo. Num primeiro momento, o desafio foi mesmo conseguir assegurar a possibilidade de criar neste espaço exato – foram muitos e muito os anos em que eu passava neste mesmo sítio onde é hoje o resort e parava junto daquela árvore [o chorão] – num espaço em ruínas, onde havia as granjas que abrigavam as máquinas agrícolas e armazéns vazios. Com o tempo, essa oportunidade acabou por surgir. Depois, no processo de construção, as dificuldades foram maioritariamente técnicas. Dada a especificidade da área – uma zona de arrozais onde a camada freática está muito à superfície –, tivemos de encontrar alternativas técnicas para garantir a solidez das fundações. Também no processo de recuperação dos edifícios – muitos deles já muito degradados –, acabámos por encontrar alguns desafios, mas foram sempre superados através de soluções inovadoras, com recurso a tecnologias várias e mantendo sempre uma preocupação com a sustentabilidade e com o conforto dos futuros hóspedes.
Como descreveria a filosofia arquitetónica da Quinta da Comporta? Que valores ou princípios pretendeu transmitir com o projeto?
Para mim a arte de receber é uma arte nobre e que infelizmente não é muito desenvolvida, muito construída, e eu fazia questão de criar este sítio para bem receber. A arquitetura da Quinta da Comporta foi desenvolvida com a intenção de manter a autenticidade local (respeitando a construção tradicional), contando e preservando a sua história, mas sempre acrescentando conforto. Ao mesmo tempo, cada espaço do wellness boutique resort foi pensado para permitir uma vivência genuína da Comporta enquanto destino, partindo da conexão com a Natureza no seu estado puro. A Comporta tem o equilíbrio perfeito entre Natureza e estilo de vida local, o que faz dela o sítio inigualável que é. E a Quinta da Comporta não pretende alterar esse estado de coisas, mas sim respeitar e homenagear essa ligação para que a sua herança perdure no tempo. Fazemo-lo ao partilhar a nossa visão e missão com os que nos visitam, através de experiências memoráveis, que esperamos que os inspirem e os façam apaixonarem-se por este local como nós.
Sendo a sustentabilidade um tema central na Quinta da Comporta, fale-nos um pouco sobre as diferentes soluções implementadas e de que forma foram integradas na arquitetura.
A minha preocupação com a sustentabilidade esteve presente desde os primeiros esboços e na minha visão do conceito deste hotel. Aliás, noutros projetos (tanto local como internacionalmente), essa era já uma parte integrante do meu trabalho.
Como eu digo sempre, talvez não sejamos nós a salvar o planeta, mas, se cada um fizer a sua parte, com o que pode, tendo a consciência de que não seremos perfeitos, certamente teremos um impacto positivo.
Na Quinta da Comporta, era importante fazermos tudo ao nosso alcance para minimizar o impacto ambiental nesta zona caracterizada pela sua beleza natural.
Tudo começou logo no projeto, na forma de projetar, de pensar na organização e na gestão do projeto, bem como nas escolhas dos materiais, das soluções técnicas, de logística –, estas são as pedras de base para a construção de um projeto sustentável. Aqui, para dar alguns exemplos, optámos por construir com paredes espessas e com o chão elevado nas fundações para potenciar o isolamento térmico e evitar humidades, mas também para diminuir tanto quanto possível o uso de aquecimento ou ar condicionado.
Depois, passámos à construção. Começámos por reaproveitar todo o material demolido para as fundações e para modelar o terreno, e mantivemos as estruturas preexistentes (dentro do possível). Nesta fase foram também feitas as escolhas de painéis solares, do modelo de gestão de energia – são os painéis solares que geram a energia necessária para aquecer toda a água do resort e nos fornecem a eletricidade – bem como a gestão dos recursos hídricos (por exemplo, com a recuperação das águas cinzentas – da rega –, de maneira a economizar o uso desnecessário de água).
Por fim, no dia a dia na Quinta da Comporta, posso referir alguns gestos simples mas que fazem a diferença, como a redução máxima do plástico na operação – temos, por exemplo, garrafas de água de vidro disponíveis para os hóspedes –, a utilização de produtos locais no restaurante Inari (muitos deles da nossa horta) e o facto de apenas utilizarmos uma frota totalmente elétrica (tanto para transporte de hóspedes dentro do resort como para transporte interno das nossas equipas).
Como foi lidar com a equipa num projeto tão grande e complexo como este?
Realmente um projeto não é só uma pessoa. Eu dou a cara, enquanto arquiteto fundador, mas tornar a Quinta da Comporta uma realidade em dois anos foi um grande trabalho de equipa. Não poderia deixar de referir o apoio do meu pai, que ajudou bastante como arquiteto também, os engenheiros, o João Canteiro, um grande perito na gestão do projeto, a Inês Alves Ribeiro, que trabalhou comigo, a Tereza Bordal (…). Toda a equipa do atelier MCM. Além de todos os parceiros envolvidos, desde a logística à construção e manufatura. Não quero falhar nomes, mas posso dizer que a Quinta da Comporta é resultado de um trabalho conjunto de uma equipa absolutamente extraordinária com a qual tive a sorte de partilhar esta concretização de um sonho.
Como é que a experiência de criar a Quinta da Comporta influenciou a sua carreira e os projetos que se seguiram?
A Quinta da Comporta foi uma grande, grande experiência. O hotel vai ao encontro do que eu imaginava e do que os hóspedes cada vez mais procuram. Foi verdadeiramente o meu primeiro projeto de assinatura, enquanto fundador, arquiteto e designer. Mas de cada etapa tiramos sempre lições e observações. Levo muitas aprendizagens para futuros projetos – sejam de pormenores, de organização ou simplesmente de escolhas. Mantendo um caminho de autenticidade, há sempre espaço para fazermos melhor.
De que forma é que o projeto da Quinta da Comporta se destaca dos outros empreendimentos na região?
Apesar de existirem outros projetos de alojamento na região, a Quinta da Comporta destaca-se por ser o único nesta categoria de wellness boutique resort, com esta dimensão, oferta e serviços. Todos os conceitos se distinguem por diferentes motivos, mas, mais do que o que nos difere, espero que nos possamos unir para juntos construirmos “o destino Comporta” de forma fiel à sua essência.
Como vê o impacto da Quinta da Comporta na comunidade local e no meio ambiente ao longo destes cinco anos?
O respeito e integração da comunidade local no projeto foi algo que esteve presente desde o início. Até mesmo antes de levar o projeto adiante. Sempre quis dar à comunidade o que a Comporta nos dá. Estamos envolvidos em várias ações e tomamos várias iniciativas que nos aproximam, sendo importante para nós contribuir para o crescimento e melhoramento da qualidade de vida da comunidade. Já fizemos um projeto para uma residência da terceira idade, reunimos esforços para financiar um novo posto de comando de Bombeiros no Carvalhal… Estamos com um grande projeto em mãos para construir uma igreja para a aldeia desenhada por mim e financiada pelo hotel, há um grande empenho em melhorar as estruturas existentes e criar um centro desportivo, além de apoiarmos iniciativas locais como as festas da aldeia e a festa da batata-doce, que são tão importantes para quem aqui vive. Enfim, são muitos pequenos gestos que nos unem e que para nós são fundamentais nesta troca diária com a comunidade. Em relação ao meio ambiente, estamos certos de que todos os esforços fazem a diferença e que juntos continuaremos nesta missão de preservar a beleza natural da Comporta.
Como classifica a Quinta da Comporta no panorama do turismo de luxo em Portugal nos próximos anos?
A Quinta da Comporta, enquanto player hoteleiro independente, foca-se na qualidade, no serviço e na constante procura de inovação. Não somos um grande grupo nem temos essa pretensão. Mas ambicionamos, claro, estar no top of mind de hóspedes e parceiros quando pensam neste conceito de luxo baseado na simplicidade, na vivência da autenticidade, numa visão holística do bem-estar. Nos próximos anos, continuaremos o nosso caminho, sempre atentos ao que se passa à nossa volta e numa permanente busca para melhorar o nosso produto e nos alinharmos com as exigências deste mercado.
O que podemos esperar para o futuro da Quinta da Comporta?
A nossa preocupação é sempre melhorar a experiência e acreditamos que devemos fazê-lo mantendo-nos neste percurso e com esta visão de hotelaria sustentável que procura o verdadeiro bem-estar dos hóspedes. Pusemos agora mais painéis solares e gostava de pôr como meta atingir um dia o consumo de energia da rede zero. Continuamos também empenhados em desenvolver novas atividades, no spa, na restauração, criar outros pontos de venda e outlets para quem nos visita. Temos planos e sonhos (muitos!) ainda por concretizar, mas vivemos cada dia no presente e agora o que espero, mesmo, é poder continuar a receber-vos bem.