Formado no Instituto Superior de Agronomia, Tiago Macena é especialista em Viticultura e Enologia. Após estágios em Portugal e Austrália, é agora responsável por marcas de vinho nas regiões do Dão, Douro, Alentejo e, em breve, na península de Setúbal. A imparável procura da excelência levou-o a perseguir o título de Master of Wine, enfrentando desafios e exames rigorosos. Em breve, será o primeiro português a alcançar esta distinção, reservada apenas aos melhores do mundo no sector vinícola.
Como nasceu a sua paixão pela arte do vinho?
Acredito que esta paixão tenha surgido na minha infância, embora na época não estivesse consciente disso. Sou natural da Guarda e, quando não havia aulas, passava o tempo no campo, seja no vale do Mondego ou em Figueira do Castelo Rodrigo. Os meus pais eram professores, mas tinham raízes na agricultura, e foi sob essa influência que cresci. Essa vivência levou-me a ingressar no Instituto Superior de Agronomia, inicialmente em Engenharia Florestal, mas uma visita a uma feira agrícola em Paris fez-me mudar para Agronomia, especializando-me depois em Viticultura e Enologia. Os estágios que fiz reforçaram essa escolha, mostrando-me que estava no caminho certo.
Realizou esses estágios em Portugal ou no estrangeiro?
Estive num pequeno produtor em Alenquer e na Taylor’s, no Douro. Contudo, uma oportunidade levou-me a estagiar na Austrália, na adega Bleasdale, em Langhorne Creek. Esta experiência foi repleta de momentos singulares, explorava diferentes estilos de vinhos, desde espumantes a fortificados, e trabalhava com castas completamente novas. Estava com muita vontade de ficar, mas tive de regressar a Portugal para concluir o curso. Em 2007, dei início à minha carreira profissional na Dão Sul, atualmente Global Wines, onde também aprendi muito.
Foi durante esse período que se interessou pelo Master of Wine?
Sim, durante o meu trabalho na Dão Sul, tive oportunidade de acompanhar de perto os clientes e conhecer Clark Foyster, um Master of Wine. A sua capacidade extraordinária de interpretar o vinho deixou-me fascinado. Falava como se estivesse a contar uma história, identificando pormenores como o tempo de barrica e o tipo de madeira, algo que nunca tinha presenciado e despertou o meu interesse pelo Master of Wine, levando-me a procurar mais informações e a inscrever-me em 2012.
Quais foram os maiores desafios que enfrentou durante esse estudo exigente?
Foram, acima de tudo, o acesso a vinhos internacionais e a exigência do exame teórico, no formato essay, algo desconhecido para mim. Além disso, conciliar o estudo com a vida profissional e pessoal foi uma tarefa intensa. O instituto exige um conhecimento global do vinho, o que me obrigou ao estabelecimento de uma extensa rede de contactos e à troca de informações com candidatos de todo o mundo. A entrada no Institute of Masters of Wine requer formação em enologia ou certificação do WSET – Wine & Spirit Education Trust, que é considerado um curso preliminar. Isto demonstra o rigor e a seriedade do processo de qualificação.
Em que fase está atualmente e o que lhe falta fazer?
Atualmente, estou na terceira etapa do processo. Durante os exames, que se estenderam por quatro dias, os candidatos resistem a desafios teóricos e práticos. Embora tenha passado na parte teórica em 2019, só consegui concluir com sucesso o exame prático em 2023. Agora, estou focado na preparação do trabalho de pesquisa, um passo crucial para finalizar o processo, que exige a elaboração de uma dissertação, que é um research paper, com, no máximo, dez mil palavras, baseado em algo que considere importante no setor do vinho.
Como vê a evolução dos vinhos em Portugal?
Creio que tem sido marcada pela crescente oferta de vinhos de alta qualidade, exclusivos e de nicho. Esta tendência reflete a dinâmica do mercado, que requer uma maior especialização e uma abordagem premium para se destacar. Os nossos vinhos exclusivos atraem cada vez mais consumidores a nível nacional e internacional. No entanto, é importante salientar que este mercado de nicho não é para todos. Requer um esforço de comercialização específico e um cuidado especial na apresentação do produto. Além disso, a especialização também se reflete na produção, com produtores focados em vinhas velhas e técnicas de vinificação mais elaboradas.
Qual é a sua opinião sobre a importância da escolha dos vinhos para harmonizar um menu de autor, seja ou não Michelin?
Para garantir que a harmonização seja realmente surpreendente, é essencial conhecer profundamente os produtos envolvidos. Neste sentido, o papel do escanção é fundamental; deve ser um intermediário entre a cozinha e o cliente. Creio que a chave para criar momentos memoráveis de harmonização é garantir a qualidade dos produtos, tanto na comida quanto no vinho, e contar com alguém capaz de interpretar e integrar perfeitamente esses elementos, criando uma experiência harmoniosa e memorável para o cliente.
Já vivenciou algum momento inesperado entre um vinho e um determinado prato?
Sim, houve uma ocasião bastante inesperada para mim que serviu como um despertar para uma nova realidade. Foi quando experimentei uma combinação de um prato à base de polvo, uma salada fria, com um vinho tinto que tinha sido arrefecido. Fiquei surpreendido porque funcionou muito bem. Foi um daqueles momentos “uau” que nos mostram que nem sempre precisamos de seguir as regras tradicionais. Às vezes, a simplicidade e abertura para experimentar podem levar-nos a descobertas surpreendentes.
O que faz atualmente, além da preparação para o final do Master of Wine?
Tenho uma empresa de consultoria de serviços de enologia. Se as pessoas se reunirem em casa ou num hotel e desejarem aprender mais ou experimentar algo diferente, tanto para a empresa quanto para os amigos, posso aconselhá-las e oferecer o meu serviço nesse sentido. Além disso, trabalho com a Adega Marel, no Alentejo, e sou sócio na empresa No Rules Wines, que é muito inovadora, mas mantém um grande apreço pela tradição e sustentabilidade.
O que é que o vinho representa para si?
O vinho é um produto cultural e uma expressão pessoal. Se a mesma uva for cultivada em locais diferentes ou o resultado for criado por enólogos diferentes, o vinho final não será o mesmo, já que reflete a personalidade de cada um e as características do terroir. O vinho está inserido num mundo de partilha, e um dia perfeito para mim é estar na adega, envolvido num processo de criação que abra caminho a vinhos impressionantes e irreverentes.