Arquiteta e designer, Joana Astolfi personifica a estreita ligação entre criatividade e narrativa. Cada espaço que cria é uma fusão alquímica que transforma em renascimentos emocionais. Com um olhar visionário, cruza passado e presente numa tapeçaria de sensibilidade e inovação. Para a artista, que percorreu meio mundo, o design é mais do que estética; é a celebração da vida e da evolução humana.
Como foi a sua formação e trajetória profissional?
Iniciei a minha formação numa escola internacional e, quando tinha 18 anos, mudei-me para o Reino Unido. Nesse tempo, tive uma indecisão entre Arquitetura e Arte, influenciada pelo contexto familiar, já que a minha mãe tinha uma galeria de arte e o meu pai era arquiteto, no Rio de Janeiro. Optei por estudar Arquitetura; foi bom porque me abriu portas para disciplinas paralelas, como design de produto e gráfico, fotografia e muitas outras. Também me projetou para pensar em escalas diferentes, o que enriqueceu a minha perspetiva criativa. Mas sempre mantive a paixão pela arte e acredito que a arquitetura é uma forma de expressão artística.
Passou por diferentes países ao longo da carreira. Como é que essas experiências influenciaram o seu trabalho?
Cada lugar deu-me uma riqueza cultural e criativa única para o meu percurso profissional. Em Cardiff, no País de Gales, tive uma formação híbrida que combinava técnica e criatividade. Em Londres, trabalhei em diversos projetos, desde reabilitação de espaços até instalações artísticas. Estive também uns tempos em Los Angeles, onde vivia o meu irmão, e trabalhei como freelancer. E, em Veneza, apesar de ser um pedaço de terra pequeno, percebi que era riquíssimo em arte e cultura; estive no Centro de Pesquisa Criativa, naquele tempo um hub criado pelo fotógrafo Oliviero Toscani – aqui fui exposta a uma comunidade diversificada de jovens artistas, o que ampliou a minha visão sobre arte e design. Estas experiências talharam a minha abordagem multidisciplinar e o meu interesse em contar histórias através do espaço e dos objetos. Estive cerca de dez anos fora de Portugal e fui acumulando muitas capacidades.
No regresso trazia experiências. Como foi o início do percurso em Portugal?
Primeiro, era um pequeno estúdio no Bairro Alto, onde logo surgiu oportunidade de trabalhar em projetos notáveis, como o showroom da dupla de criadores de moda Storytailors e a exposição 100 anos da CUF com o Grupo Mello. Mas cresceu e, depois de algumas mudanças, o Studio Astolfi está agora no Príncipe Real, abrange arquitetura e arte. Mantive sempre a dualidade destes mundos colaborando com artesãos e artistas na oficina na Graça, em Lisboa, onde produzimos intervenções artísticas personalizadas, como fizemos para alguns restaurantes do chef Avillez, para a loja do Oceanário e também para a fachada da ETIC, Escola de Tecnologias Inovação e Criação, entre muitas outras. Foi também onde criámos, durante dez anos, as montras da loja Hermès. No estúdio, temos arquitetos e designers de produto, desenhamos muitas peças de mobiliário para cada projeto. A equipa é uma continuação de mim e do meu trabalho; todos são fundamentais cada um na sua especificidade.
A família teve um papel significativo na sua formação. Como é que essa influência se reflete no seu trabalho?
A minha família, com uma grande mistura de culturas e sensibilidades estéticas, foi fundamental para o meu trabalho. O meu pai, em especial, sempre foi uma inspiração e referência para mim. Incentivou-me a ser uma cidadã do mundo ao mesmo tempo que ajudava a cultivar a minha paixão pela arte e pelo design. Acredito que esta base, a minha raiz sólida, e o diálogo aberto em casa contribuíram para que tivesse uma abordagem criativa e uma capacidade de pensar de forma holística em cada projeto.
O Studio Astolfi é reconhecido por projetos exclusivos no mercado de luxo. Qual a abordagem que utiliza neste segmento?
Para mim, luxo vai além de ostentação. Eu valorizo a autenticidade dos materiais e a forma como são produzidos. Procuro sempre criar experiências memoráveis e contar histórias através do design. Acredito que o luxo está na atenção aos pormenores, na narrativa envolvente e na execução impecável. Cada projeto que realizamos no StudioAstolfi é uma oportunidade de criar algo singular e cativante para os nossos clientes.
Mencionou que cada projeto tem uma história para contar. Como desenvolve essa narrativa no processo criativo?
O processo de criação começa sempre com uma perceção profunda do espaço e do cliente. Procuramos descobrir a base do projeto e como podemos traduzi-la numa narrativa visual. Realizamos brainstorms criativos em equipa e exploramos diferentes conceitos e abordagens. De seguida, desenvolvemos o layout, escolhemos os materiais, as texturas e os acabamentos que ajudarão a contar essa história de forma única e envolvente.
Que projetos está atualmente a desenvolver?
Há pouco tempo criámos uma linha de azulejos, a Duna, para a Viúva Lamego, que é vendida ao público; esta coleção é uma homenagem à minha filha. Vou também ter uma parceria com a marca de roupa portuguesa +351 – em junho já haverá peças Astolfi. Além disso, estamos a desenvolver um restaurante no Canadá, em Toronto. Destaco o nosso maior projeto, um hotel no Norte, o Torel Quinta da Vacaria – Douro Valley, com cerca de quarenta quartos, dois restaurantes, spa e adega. Também estamos a trabalhar na sede da seguradora Tranquilidade, em Lisboa, e futuramente nas lojas. Temos projetos para muitas casas, incluindo uma enorme na Comporta. Procuramos expandir o nosso trabalho para novos mercados, focando-nos na internacionalização do Studio Astolfi e na criação de parcerias com marcas que partilhem a mesma visão criativa.
Gostaria de saber mais sobre as raízes e valores que delinearam o seu caminho profissional, há um lado emocional a par com o criativo.
O meu pai foi uma grande inspiração para mim, sempre valorizou o amor pelo trabalho e pela criatividade, o que me influenciou profundamente. A sua filosofia era de que quando fazemos o que amamos, não sentimos o peso do trabalho. Isso ensinou-me a encarar a vida de forma leve e apaixonada. Quanto ao meu lado lúdico, sim, acredito que manter a criança dentro de mim é fundamental. Brincar, explorar, ter curiosidade constante são aspetos que estão sempre presentes no meu trabalho e me mantêm vinculada ao eixo da criatividade. Creio que tudo o que faço é uma brincadeira muito séria, divirto-me muito. Durante qualquer processo que execute, vou sempre buscar a criança que nunca desapareceu da minha essência, tenho sempre curiosidade, e o meu olhar brilha quando faço descobertas. Mas também sou uma contadora de histórias e por vezes a tal criança enrola-se nessas histórias e está sempre feliz.