São os novos soberanos do antigo reino viking, desde janeiro. Após a abdicação da rainha Margarida, Frederico e Mary chegaram ao mais alto patamar da hierarquia da Dinamarca, altura para recordar como um encontro ocasional nos Jogos Olímpicos de Sydney mudaria para sempre a vida de uma jovem australiana.
Sem uma gota de sangue real, Mary nunca sonhou viver num palácio, muito menos casar-se com um príncipe, nem sequer se imaginou no papel de uma rainha, mesmo nos seus sonhos mais rebuscados! Mas a vida dá muitas voltas e eis que, hoje, Mary, que nasceu na Austrália, nos antípodas da sua nova casa, é a rainha consorte do rei Frederico X. Os novos soberanos dinamarqueses têm uma história invulgar, que nasceu fruto de um encontro ocasional. Se este encontro não tivesse acontecido, a rainha continuaria, muito provavelmente, a viver na Tasmânia, onde nasceu, e poderia muito bem continuar ligada à publicidade, porque era esse o seu trabalho na agência Young & Rubicam, em Sydney, quando conheceu o filho de Margarida II. Formada em Direito, Comércio e Leis, Mary também poderia estar a trabalhar num escritório de advocacia, mas o seu destino foi outro. A verdade é que nunca perdeu a ligação à sua família de sangue e, em dezembro último, ainda antes de a sogra ter anunciado a sua abdicação, Mary esteve na Austrália para umas férias em família e, sabe-se, foi “despedir-se” dos seus, ainda princesa.
Não sabia que era príncipe
Na distante Austrália, a vida de Mary Donaldson não obedecia ao protocolo e estava longe de saber quem era quem nas cortes da Europa. Quando conheceu Frederico, não fazia a mínima ideia de que ele era príncipe e que, sendo o filho primogénito e herdeiro da chefe de Estado da Dinamarca, o seu futuro passava por se sentar no trono.
A jovem Mary conhece Frederico nos Jogos Olímpicos de Sydney. E naquele dia em que sai com os amigos, ao qual se juntaria um outro grupo, apaixona-se por um jovem, algo tímido, do norte da Europa, sem saber de quem se trata. O encontro acontece por via de um dos primos do atual rei de Espanha: Bruno Gómez-Acebo, filho da infanta Pilar, que organizou a saída com o príncipe Frederico da Dinamarca e com amigos seus — que, por sua vez, levaram outros amigos e amigas. Encontraram-se todos no Slip Inn, um bar famoso e, no meio de toda aquela reunião de gente, lá estava Mary, que começou a falar com Frederico, sentado a seu lado, de forma tão natural quanto espontânea. Quem assistiu a este primeiro encontro lembra que ambos continuaram a conversar noite dentro. Não se sabe como ele lhe revelou a sua identidade e se lho disse nesse encontro, mas houve desde logo uma grande atração, assim contam os amigos do casal. Frederico recorda, numa entrevista, que “ela era fantástica e, para começar, era tudo muito secreto, mas encantador”. A paixão entre os dois continuou, mesmo ainda separados e com várias viagens feitas em segredo. O romance durou treze meses sem que a imprensa o descobrisse. Frederico, sendo príncipe, não poderia mudar-se para a Austrália, pelo que teria de ser Mary a mudar de vida e a deixar tudo, a família, os amigos e o trabalho para começar do zero uma existência para a qual não fora educada nem estava preparada.
As lágrimas do noivo
Depois de vários meses de preparação para o papel de princesa e da aprendizagem de uma nova língua, Mary torna-se noiva real e o casamento é anunciado pela rainha Margarida. A história de amor do príncipe comoveu os dinamarqueses, para quem a ideia de felicidade pessoal é uma conquista individual — mas que foi, neste caso, amplamente partilhada por toda a nação.
O casamento (2004) foi uma verdadeira festa popular e ainda hoje muitos há que se recordam do noivo no altar, a chorar ao ver a noiva chegar de braço dado com o pai. Preparado para conter as emoções, segundo a tradição das monarquias, Frederico mostrava-se, naquele dia, mais do que um príncipe, um homem apaixonado.
A história de amor de Mary, mesmo sendo plebeia e estrangeira, e de Frederico, para quem o destino já estava traçado, encantou o povo dinamarquês e não houve sequer polémicas com a sua chegada à corte, como aconteceu, por exemplo, na vizinha Noruega quando Haakon se casou com Mette-Marit, uma jovem mãe, plebeia e com um passado ligado às drogas.
Da união do então príncipe herdeiro com Mary Donaldson nasceram quatro filhos: os príncipes Christian (2005), hoje o número um na linha de sucessão ao trono, Isabella (2007) e os gémeos Vincent e Josephine (2011).
“Eu ignorava tudo dessa parte da tua vida”
O casal mostra-se um dos mais estáveis da realeza europeia. Na festa dos 50 anos de Frederico, em maio de 2018, Mary faz uma revelação que é, no fundo, um testemunho importante das suas emoções — quando ainda não era princesa —, naquele banquete realizado no Palácio de Christiansborg e com uma plateia real de peso. “Naquela altura”, referindo-se à sua primeira passagem de ano na Dinamarca, “eu ignorava tudo dessa parte da tua vida. Deixaste a sala, tal como te conhecia, e regressaste em uniforme de gala. Foi, de repente, toda uma outra imagem de ti, inédita para mim. Profundamente impressionante e intimidante. Mas os teus olhos e o teu sorriso eram os mesmos, com farda de gala ou sem ela. Isso pede uma certa coragem e eu estou tão feliz que tenhamos ousado amarmo-nos, não por um tempo, mas para toda a vida”, afirmou. Frederico, tal como no dia do casamento, não conteve a emoção e os seus olhos encheram-se de lágrimas.
Uma capa e uma “bomba”
Foi com grande perplexidade que os dinamarqueses e o mundo viram a capa da “Lecturas”, em novembro de 2023, com o título Genoveva y Federico de Dinamarca juntos, garantido a revista espanhola que ele passou a noite no apartamento da aristocrata. Genoveva Casanova desmentiu tudo, mas a casa real, fiel ao lema never complain, never explain, não reagiu. A verdade é que esta capa, que teve o efeito de uma bomba, deu a volta aos quatro cantos do planeta, dando origem a todo o tipo de especulações, entre as quais o divórcio do casal. Curiosamente, quase dois meses depois da alegada traição do príncipe, a rainha Margarida anuncia a sua abdicação, conduzindo o casal de herdeiros ao trono. E o que vimos no dia 14 de janeiro foram milhares de dinamarqueses nas ruas de Copenhaga a aclamar os novos reis, que, emocionados, deram as mãos e um beijo na boca para a alegria de quem estava a vê-los.
A partir desta data, Frederico e Mary começam uma nova etapa nas suas vidas. O novo reinado começa sob o signo da alegria partilhada, mas os desafios pela frente são grandes. A coroa da Dinamarca, que remonta ao século IX, é a mais velha da Europa, mas, como sabemos, Margarida II quis deixar uma marca pessoal ao fim de 52 anos de reinado e é a primeira chefe de Estado a abdicar em 900 anos.
A casa real dinamarquesa, parente de quase toda a realeza do Velho Continente, abriu-se à mudança. Hoje, como ontem, o novo rei não esquece o passado que herda, mas abre caminho para mostrar que a sua dinastia não é distante e grande parte dessa imagem tem sido conseguida graças a Mary.
A nova rainha tem, agora, mais do que nunca, a missão de representar o país e educar os filhos para o papel que os espera: servir. Frederico e Mary renovam a monarquia sem lhe destruir a aura, dão-lhe um toque atual, mantendo uma sensação de continuidade. É isso que os dinamarqueses esperam dos seus novos reis: uma identificação que só incrementa mais o carisma.
Por Alberto Miranda