Em breve, Giorgio Armani, mestre da moda italiana, celebrará o seu 90.º aniversário e meio século desde que o mundo testemunhou a sua genialidade, com a criação de peças notáveis pela leveza e corte impecável. O seu vasto legado em moda, acessórios, joalharia, perfumaria, decoração e até restauração revela elegância e uma subtileza sustentável que perdurará no tempo.
Glamour aquático
Uma marca de luxo que comanda uma das indústrias em constante mudança deve ser consistente e manter uma clareza de design que perdure no tempo e seja motivo de expetativa a cada nova coleção. Foi o que, mais uma vez aconteceu, na apresentação da coleção feminina primavera/verão 2024 de Giorgio Armani, nomeada Vibes, que fechou a Milano Fashion Week. Modelos radiosas desfilaram peças, onde os tons de bege foram ausentes, que pareciam ter emergido das profundezas do oceano. Os tecidos reproduziam as suaves ondas, e as joias evocavam criaturas subaquáticas transparentes. Os lenços transformaram-se em conchas multicoloridas, os casacos ecoaram as paisagens de recifes tropicais subaquáticos, enquanto os colares pareciam reproduzir a complexidade das redes de pesca. Os tops assumiram a aparência de delicadas escamas dos peixes, como se as modelos flutuassem, autênticas sereias envoltas em sedução.
Armani terá afirmado que ali “tudo balançava: cores, sensações e sentimentos”, parecendo que algo se descobriu e revelou tudo aquilo que nos transcende. À medida que ondulavam na passarela, as modelos desvendavam peças desprovidas de tons terrosos, emergindo como tesouros oceânicos. A energia que fluía entre todos ultrapassou a tangibilidade, revelando vibrações e movimentos incessantes.
Giorgio Armani inaugurou o desfile com um elegante casaco de cetim em tom champanhe, combinado com calças de cor cinza, acetinadas. Vários conjuntos seguiram a mesma paleta de cores, apresentando camisas cortadas, casacos e vestidos sem alças. Para a noite, destacaram-se peças deslumbrantes, incluindo tops, saias e calças brilhantes. A paleta de cores transitou do champanhe e cinza para tons suaves de azul, verde e rosa. As modelos, com cabelos ondulados, seguravam pequenas carteiras cintilantes, optando por sapatos rasos, que evidenciavam a importância do conforto. Para finalizar, foi apresentado um deslumbrante vestido longo e amplo, com a forma de uma nuvem, apresentando um decote desportivo cravejado de cristais, coberto por um xaile transparente até ao chão, pontuado por reflexos adicionais.
Designer de moda por acaso
Giorgio Armani descobriu a sua verdadeira vocação numa reviravolta do destino. Após uma breve passagem pela faculdade de Medicina, interrompida pelo serviço militar, regressou à vida civil em 1957. Sem grande estímulo para concluir o curso, optou por trabalhar na La Rinascente, a famosa loja de Milão, na Piazza Duomo, onde desempenhou as funções de ajudante dos vitrinistas e de assistente de compras. Este momento marcaria o início do percurso no universo da elegância. Nos anos 1960, desempenhou o papel de designer na linha masculina de Nino Cerutti, uma experiência que lançou as bases da sua carreira na indústria. Encorajado pelo amigo próximo Sergio Galeotti, em 1974, revelou a primeira coleção masculina, elevando o seu nome a patamares inimagináveis. A fórmula, depois de encontrada, utilizada e aprovada, parecia simples. No entanto, foi preciso a genialidade deste mestre, de pele sempre bronzeada, para demonstrar que um fato de homem poderia ser desconstruído e reconstruído sem perder a essência masculina.
Em 1975, fundou a marca Giorgio Armani e apresentou ao mundo a sua visão da moda feminina. O objetivo do mestre era expressar as ideias através dos fatos, mesmo que enfrentasse críticas. Foi esta visão aberta e destemida que transformou a sua alfaiataria na mais glamorosa de todos os tempos. A sobriedade do traço não se traduzia no minimalismo das peças, mas sim numa limpeza visual de linhas, apresentadas em tons neutros e tecidos naturais, revelando uma estética limpa e refinada. A linha feminina de fatos e blazers permitiu que as mulheres alcançassem uma maior liberdade no mercado de trabalho, assumindo uma postura de igualdade pela qual há muito lutavam, sem abdicar da feminilidade.
Giorgio Armani adotou uma abordagem clássica, muitas vezes concentrando-se em cortes limpos, linhas suaves e silhuetas bem definidas. Utilizou tecidos de alta qualidade, oferecendo uma sensação luxuosa e uma aparência requintada a todas as mulheres que usavam os seus fatos. A paleta de cores de Armani inclui sempre tons neutros e sofisticados, realçando a versatilidade e a adequação de cada peça para vários momentos.
A ascensão de uma estrela
Giorgio Armani nasceu em 1934, em Placência, uma comuna italiana da Emilia-Romagna, região a norte de Itália e a sul de Milão. Guarda da infância as memórias dos pais, Maria Raimondi e Ugo Armani, ambos de ascendência arménia, que, apesar do estilo básico, não abdicavam da elegância interior, já que o dinheiro não abundava naquela família, onde existiam mais dois irmãos, Rosanna e Sergio. Como era habitual em toda a Itália, naquele tempo, as roupas eram costuradas em casa, mas cada peça era notada pelos vizinhos e amigos, dando a observar um estilo requintado, mas que apenas era elegante. No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, a família enfrentou uma época difícil, sendo acordada várias vezes durante a noite para procurar abrigo. Esta experiência foi tremenda para o jovem Giorgio, mas deu ao futuro designer a capacidade de sonhar e construir na sua mente um mundo mais feliz. Em 1949, a família mudou-se para Milão e, influenciado pela irmã, que era modelo, Giorgio começou a fazer parte dos círculos mais restritos da moda italiana. Há quem relate que o negócio de Giorgio Armani e Sergio Galeotti teve início com a venda do Volkswagen do estilista.
Nos primeiros anos, foram muitos os esforços e sacrifícios, com choros de desespero e muitas horas de trabalho acumulado, sem descanso. Este período de muito esforço e dedicação não permitiu a Giorgio Armani perceber que, entretanto, a máquina da indústria estava atenta ao seu trabalho e talento e que, silenciosamente, assim se iniciava uma pequena revolução na moda masculina italiana, com casacos sem forro de tecido leve e flutuante que já estavam a fazer história. Coleção após coleção, a linha Giorgio Armani, masculina e feminina, propunha roupas formais, mas muito inovadoras e, acima de tudo, desconstruídas. Cada peça contava uma história de elegância, inovação e a visão única de um designer que começava a moldar o panorama da moda de maneira discreta, mas inegavelmente impactante. Os 40 anos do império Armani foram celebrados com grande requinte ao longo de dois dias, em Milão. Numa retrospetiva da notável trajetória do designer, foram apresentadas 600 peças de roupa e 200 acessórios, marcando-se simultaneamente a inauguração do espaço de exposições Armani/Silos. Além disso, o designer idealizou um desfile grandioso, destacando uma compilação de looks da Armani Privé, uma presença constante na semana de alta-costura em Paris desde 2005. Aos 89 anos, Armani continua a ser o CEO e o único acionista da empresa que criou com o falecido sócio na década de 70, tendo registado em 2023 um volume de negócios de 2,35 mil milhões de euros, contando com quase seis mil funcionários em mais de duas mil lojas próprias e pontos de vendas em setenta países.
Forever young
A história de Giorgio Armani revela-se, protagonizada por um homem que se tornou uma verdadeira lenda: sempre vestido de jeans e T-shirt, exibe um bronzeado impecável e cabelos brancos que não traem em nada a sua juventude perene e estilo incansável. O segredo reside, talvez, no equilíbrio magistral: entrega-se de corpo e alma ao trabalho no escritório em Milão, mas reserva as tardes de sexta-feira para uma escapadinha ao seu refúgio, a majestosa Villa Rivara. Com 26 divisões, a mansão, inspirada nos palácios do século XVIII, ergue-se no meio de uma propriedade abraçada por um parque com lagos, pomares e hortas, onde alpacas, zebras, vacas e cavalos passeiam livremente. Neste retiro idílico, Armani revitaliza as energias, como se a própria essência da eternidade estivesse tecida nos fios do seu quotidiano. Giorgio Armani, além do relevo que tem na moda, é reconhecido por uma abordagem multifacetada e visão holística. Os caminhos e influência estendem-se além das passarelas, abrangendo o design de interiores, a perfumaria e até mesmo o setor hoteleiro. Armani é um criador de experiências, não apenas desenhando roupas, mas simbolizando um estilo de vida glamoroso e intemporal. Ao explorarmos as complexidades deste vasto império, descobrimos que ele não é apenas um estilista, mas um arquiteto meticuloso de ambientes, um alquimista de fragrâncias envolventes e um curador de espaços que transcende o efémero para revelar verdadeiras obras de arte. A sua influência manifesta-se nos detalhes, desde os cortes precisos de um blazer até à harmonia sensorial de um ambiente. Além disso, a sua marca não se limita à moda; é uma expressão de elegância que invade todos os aspetos da vida, marcando a fusão perfeita do clássico com o contemporâneo. A história de Giorgio Armani será sempre o relato de alguém que não apenas moldou a indústria da moda, mas também deixou uma marca indelével em diversos domínios, elevando o seu legado a uma esfera de influência que transcende fronteiras e gerações.