É um nome incontornável no mundo da música internacional. Por influência paterna, aprendeu a tocar vários instrumentos desde criança e, depois da formação no estrangeiro, multiplicam-se os cargos de maestrina que já exerceu, assim como os prémios recebidos. Na carreira, o seu foco está na excelência, mas não descura a família, até porque foi mãe de quatro filhos em quinze meses. Um milagre há muito aguardado.
Joana Carneiro dispensa apresentações! É maestrina, considerada uma das melhores da atualidade, e tem levado o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo! O seu prestígio internacional também não é esquecido entre nós e foi escolhida para dirigir a orquestra da Jornada Mundial da Juventude, evento que trouxe o Papa Francisco a Lisboa. Católica praticante, esta não foi a primeira vez que conheceu um Sumo Pontífice, porque, quando Bento XVI esteve na capital portuguesa, Joana Carneiro teve a honra de conversar com ele e não esquece as suas palavras: “Os artistas têm a obrigação de tornar todos os dias um lugar de beleza”. E essa é uma das suas funções ao dirigir orquestras: “É fundamental ter sempre presente o objetivo de se atingir a excelência e a perfeição”, admite.
Carreira internacional premiada
Os cargos em lugares importantes têm sido uma constante na vida de Joana Carneiro. Maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, do Teatro Nacional de São Carlos, diretora musical da Sinfónica de Berkeley (que recebeu dois prémios sob a sua batuta), maestrina assistente da Filarmónica de Los Angeles (onde trabalhou com o finlandês Esa-Pekka Salonen, o seu mentor), maestrina da Sinfónica de Great Park, de Phoenix e de Kitchner-Waterloo, da Orquestra do Instituto Mancini ou maestrina convidada da Orquestra Gulbenkian são alguns dos cargos exercidos. A estas funções juntam-se a direção de vários festivais internacionais, como o de Sydney, concertos no Walt Disney Concert Hall ou ainda, como aconteceu em 2017, a direção da Orquestra Filarmónica Real de Estocolmo durante a entrega dos Prémios Nobel. À sua atuação nas melhores salas do mundo, soma-se, em março deste ano, a sua estreia na mítica Ópera de Paris.
A propósito do seu trabalho, a maestrina admitiu, numa das muitas entrevistas concedidas, não ter outras ambições: “Não quero fazer nada para lá do meu forte, que é dirigir orquestras”, garantido que o que faz “é um privilégio enorme”.
No que diz respeito a distinções, o currículo de Joana Carneiro é invejável e o ano de 2010 foi particularmente rico neste campo: foi prémio Helpmann para melhor concerto sinfónico, assim como prémio Helen M. Thompson, destinado a reconhecer diretores musicais com potencial extraordinário. Recebeu ainda os prémios Dona Antónia Adelaide Ferreira e Amália de Música Erudita. Em 2013, foi agraciada com o prémio Mulheres Criadoras de Cultura. Muito antes, em 2004, já Portugal tinha percebido o talento de Joana Carneiro distinguindo-a com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, que recebeu das mãos do então Presidente da República, Jorge Sampaio. Este ano, Marcelo Rebelo de Sousa convidou-a a encerrar a iniciativa Músicos no Palácio de Belém, reconhecendo-a como um nome maior na construção da identidade cultural portuguesa.
A música numa casa com nove filhos
Nasceu em Lisboa, em 1976, no seio de uma família numerosa — tem oito irmãos —, filha do antigo ministro da Educação Roberto Carneiro e da ex-deputada Maria Rosário Carneiro, irmã de Adelino Amaro da Costa, o primeiro secretário-geral eleito do CDS, que acabaria por perder a vida no acidente de avião ao lado de Sá Carneiro.
Joana Amaro da Costa Luz Carneiro percebeu cedo que a música era o seu caminho. Os pais costumavam dizer que ela era “a mais autoritária dos nove filhos”, mas a harmonia reinava num lar cheio. “A nossa casa era mais silenciosa do que as pessoas imaginam”, admitindo que “ter tantos irmãos é uma dádiva”. A maestrina reconhece que “só tenho boas memórias da minha infância e adolescência, e lembra, para justificar o lugar de direção de pessoas que ocupa, que desde pequena “sempre gostei de me colocar em locais de destaque”.
Em casa, a música fazia parte do quotidiano. Joana gosta de música desde que se lembra e tal deve-se à educação que recebeu. “Os meus pais consideravam essencial que os filhos tivessem formação de música de 12 anos. Era tão importante ter boas notas a português, matemática ou geografia como era a violino, a orquestra ou o coro”.
A importância que os pais davam à música tem uma explicação mais antiga: o avô paterno, que nunca conheceu, de Xangai, que era maestro e veio a Portugal dirigir a Big Band, na Base das Lages (Açores). Foi este avô chinês que transmitiu ao filho, Roberto Carneiro, o interesse musical. Joana Carneiro acabaria por ser influenciada por esta paixão que corre no sangue da família e ainda hoje mantém vivas as suas ligações à China. “O meu pai é próximo da cultura asiática e ainda hoje festejamos o ano novo chinês”. A maestrina recorda que há tradições de Macau, entre elas a comida, a forma de ser serena e “um respeito e uma admiração pela sabedoria dos mais velhos” que a sua família não esquece. Joana não esquece, igualmente, as histórias que o pai lhe contava deste avô, músico profissional, que tocava violino e clarinete, e da avó, uma chinesa de Cantão que adorava cantar.
Marcada pela música que aprendia com gosto, Joana lembra-se, ainda adolescente, do fascínio sentido ao assistir ao musical West Side Story, cujo compositor – Bernstein – viria a ser uma das suas primeiras inspirações.
Depois do ensino secundário, formou-se em Direção de Orquestra, na Academia Nacional Superior de Orquestra, fez um mestrado na mesma área na Universidade de Northwestern e o doutoramento em Michigan (EUA).
Quatro filhos muito desejados
De lá para cá, a sua vida é uma constante viagem entre países, o que nem sempre foi fácil. “Nunca me arrependi de ter aceitado um projeto, mas já me arrependi da forma como organizei o meu tempo”, admite, e revela o dia em que faltou ao casamento do irmão mais velho por estar a trabalhar no estrangeiro. “É um momento que não volta. Tinha vinte e poucos anos e tinha acabado de ser nomeada maestrina assistente da Orquestra Filarmónica de Los Angeles, uma das melhores do mundo. Era o meu primeiro concerto oficial com a orquestra e senti que tinha de cumprir o meu dever”, contou ao Sol. Hoje, organiza a sua vida de forma a poder conciliar os lados profissional e pessoal, porque “é fundamental manter as minhas relações vivas e as minhas rotinas familiares. Isso está em primeiro lugar”.
É casada desde 2011 com José de Assunção Gonçalves, médico-cirurgião. Depois de vários anos de casamento sem filhos, Joana Carneiro conseguiu uma proeza inédita, como confessou numa entrevista, em 2022, a Francisco Pinto Balsemão, e que faz admirar toda a gente: “Tive quatro filhos em 15 meses”. Como é que isto foi possível? Porque do primeiro parto nasceram trigémeos. “A mudança de vida foi radical, mesmo!”, levando-a a afirmar: “Temos uma gestão familiar muito especial”. Por vezes, a família acompanha-a nas suas deslocações ao estrangeiro, porque não gosta do lado solitário desta vida, e Joana reconhece que o marido, que lhe deu a conhecer Rolling Stones e Led Zeppeling, é um grande apoio. “Tenho um marido maravilhoso”.
Liderança espiritual
Está habituada a dirigir orquestras de 100 músicos (muitos de nacionalidades diferentes), que tocam mais de uma dezena de instrumentos, mas a linguagem universal da música une-os sem barreiras. “Se queremos inspirar beleza, a liderança tem de ser espiritual”, daí que não tenha dúvidas em dizer que a paciência é a melhor qualidade de um maestro.
Sabendo que queria dirigir orquestras desde os 9 anos, Joana Carneiro não tem dúvidas dos benefícios da música na educação das crianças. “A música é essencial na formação humana. A música cria competências importantíssimas no ser humano ao nível da disciplina, da memória e da imaginação”, explicou em entrevista ao Sol.
Embora saiba tocar vários instrumentos, Joana gosta particularmente de viola e, se lhe perguntarem qual é o seu maestro preferido, a resposta é Bach, mas também adora Mozart e Stravinsky. Sonha dirigir Tristão e Isolda, de Wagner, e em relação a nomes portugueses da atualidade, Luís Tinoco é o seu compositor preferido e do qual se sente mais próxima em termos criativos. Quando lhe perguntam qual o seu futuro como maestrina, Joana Carneiro admite: “Creio que o meu contributo como artista tem de estar sediado na produção contemporânea”.
Por: Alberto Miranda