Quem viu o filme ou a peça de teatro Cabaret, sabe que Alexander McQueen foi este anfitrião: excêntrico, apaixonado, cativante, de quem ninguém conseguia tirar os olhos. Os seus desfiles? Autênticos manifestos teatrais. As suas roupas? Divinais. McQueen deu os primeiros passos em alfaiataria, mas o destino tinha outros planos para este génio criativo. Uma carreira breve, mas fulgurante. O estrelato incontestável.
Ao longo da sua vida, Alexander McQueen seria conhecido por vários cognomes, incluindo o de l’enfant terrible, à semelhança de Jean-Paul Gaultier, ou the hooligan of English Fashion, devido à sua natureza rebelde, refletida em todos os desfiles – as coleções eram protagonistas da sua genialidade teatral.
Aos 16 anos, Lee Alexander McQueen desistiu do liceu e foi trabalhar para a Savile Row, conhecida rua no bairro de Mayfair, em Londres, pela oferta de boa alfaiataria. Começou por trabalhar na loja Anderson & Sheppard, que acabaria por trocar pela Gieves & Hawkes. Aqui, e segundo uma notícia da BBC, acredita-se que Alexander McQueen escreveu “McQueen was here” no interior do forro de um dos fatos que pertencia ao príncipe Carlos, mas o facto nunca foi comprovado.
Decidido a encontrar o seu caminho na indústria da moda, McQueen deixa a famosa Savile Row e as suas lojas de alfaiataria e inicia uma colaboração com os figurinistas para cinema, TV e teatro Angels and Bermans, sendo suas algumas das criações para o musical Les Misérables. O estilo dramático de roupas que desenvolveu com estes designers viria, mais tarde, a tornar-se a sua assinatura, quando lançou a sua própria marca, mas antes teria de passar pela gigante Givenchy, casa onde aprenderia muito sobre o funcionamento da indústria da moda.
O problema para McQueen, durante os anos da Givenchy, foi que o designer e o showman foram forçados a separar-se e a trabalhar em projetos diferentes. McQueen teve pouca ou nenhuma influência sobre o marketing ou a publicidade da Givenchy. Estava lá simplesmente para desenhar a coleção e, embora fosse sabido que a LVMH via nele mais do que um deleite para os olhos, a separação de poderes levou a disfunções e distorções. Apesar de ter contribuído para a solidez do negócio de alta-costura da Givenchy – se tal não for uma contradição in terminis –, as coleções de prêt-à-porter de McQueen raramente arrancaram sucessos à crítica especializada (mesmo sabendo-se que o seu desfile de primavera-verão 2001 foi um retumbante sucesso). O coração de McQueen simplesmente não estava presente, não tinha o controlo total. “Não acredito que funcione. Pelo menos, não funciona para mim. A minha mente está muito focada no meu ideal e não posso fazer isso com a coleção de outra pessoa. A menos que esteja disposto a desistir da minha própria coleção, creio, e disso não sou capaz.”
Esta desconexão significava que as próprias coleções de McQueen, por mais impressionantes que fossem, perdiam-se, muitas vezes, sob os holofotes teatrais, os efeitos especiais e os adereços ao estilo Geiger; as narrativas de pesadelo, os voos espectrais e as encenações de cor ao estilo de pinceladas de Pollock. O que foi contido na Givenchy foi desencadeado firmemente, e com toda a expressão, na sua própria linha. E foi ótimo para a imprensa, pois todos queriam estar nos seus desfiles e participar do deslumbramento, mas isso ainda não significaria que a sua marca homónima se saldasse num grande negócio. A LVMH nunca investiu na linha própria de McQueen, embora o tenha feito com a grande maioria dos designers do grupo — Alexander McQueen chegou a referir que a LVMH se oferecera para tal, a dada altura, algo que ele recusou, e, quando mais tarde solicitou, que investissem no seu trabalho, foi-lhe recusado o pedido. O mesmo não aconteceu noutra grande casa, a Gucci. A direção da maison percebeu que, se o deixassem liderar, se McQueen tivesse o total controlo, encontraria uma maneira de dar adequadamente prioridade ao negócio, acertando os “níveis de ruído”. E McQueen seria o responsável pela mensagem.
Foi graças ao investimento da Gucci que o criador, enquanto marca em nome próprio, se revelou um fenómeno global. Os seus desfiles já eram conhecidos pela extravagância e dramatismo, mas começaram a ficar ainda mais dignos de uma apresentação teatral. Alguns exemplos são o holograma da modelo Kate Moss que flutuou pelo desfile da coleção de outono-inverno em 2006 e, anos antes, o 13.º desfile em nome próprio, em setembro de 1998, quando o vestido usado por Shalom Harlow se transformou numa tela humana, na apresentação da coleção de primavera-verão de McQueen, em que braços robóticos disparavam tinta sobre o vestido. Como diria mais tarde, o n.º 13, como foi batizado o desfile SS99, foi “o único que me fez chorar”.
Em 2005, McQueen e a Puma protagonizaram a primeira grande colaboração entre marcas desportivas e a indústria de luxo, algo que hoje se vê regularmente (exemplo da parceria Gucci x Adidas), com a criação de uma linha de ténis.
O estrelato não duraria muito! Em fevereiro de 2010, o designer foi encontrado morto no seu apartamento em Londres, deixando incompleta a coleção que acabaria por ser terminada por Sarah Burton, diretora criativa e chefe do departamento de roupa feminina para a marca McQueen. O psiquiatra que o acompanhava há alguns anos, Stephen Pereira, disse ao The Guardian, na altura, que a morte recente da mãe e o facto de ser uma pessoa muito reservada, que sofria com as relações mais próximas, as desilusões e a sensação de abandono o teriam levado ao suicídio, lamentado por muitos, entre eles a editora de moda da Vogue inglesa ou Vivienne Westwood. “Lee Alexander McQueen era uma figura pública e um génio criativo, com uma natureza generosa e carinhosa”, escreveu a família em comunicado. “Aqueles que tiveram o privilégio de conhecer Lee guardarão dele as suas memórias para toda a vida”.
A carreira de Alexander McQueen foi celebrada com a exposição Alexander McQueen: Savage Beauty, primeiro, em Nova Iorque, no verão de 2011, no MET, e. depois, no V&A, em Londres, em 2015. Esta foi a exposição com o maior número de visitantes de sempre do museu londrino: cerca de 493,043 pessoas nas 21 semanas consecutivas em que a mostra esteve patente.
O seu legado mudou a indústria da moda para sempre. God save McQueen!
Por: Ana Cristina Valente