Oscars, Tony Awards e Met Gala são eventos que pedem que os nomeados ou convidados se vistam a rigor, e a pergunta “Who are you wearing?” é a que os apresentadores e comentadores mais fazem nas passadeiras vermelhas. Porquê? Talvez porque uma celebridade se construa através das marcas que decide usar. Não é por acaso que a atriz Emma Watson (a famosa Hermione dos filmes do Harry Potter) só usa marcas que tenham projetos sustentáveis e que garantam o respeito pelo ambiente. É uma causa que ela defende, por isso escolhe as referências que com ela se alinhem.
O que se escolhe usar nestas noites de grande glamour é igualmente determinante para o impacto que se causa na audiência, sendo a Met Gala o lugar onde se podem ver as apostas mais corajosas. Falando em coragem, há uma peça que atualmente damos como garantida, pois já se tornou recorrente em todas as coleções, sejam elas de primavera-verão ou outono-inverno, mas que não teve a mesma receção quando surgiu. Estou a falar precisamente do fato feminino ou Le Smoking, assim batizado pelo seu grande criador – Yves Saint Laurent (YSL). A famosa frase “a moda desvanece, o estilo é eterno” foi por ele usada para se referir à sua nova criação, defendendo que “para a mulher o smoking é uma peça indispensável, pois sentir-se-á sempre com estilo”. Tendo em conta que Le Smoking tem praticamente 60 anos e é um ícone da moda feminina, podemos dizer que YSL tinha razão. No entanto nem sempre foi assim. Le Smoking – um fato para as senhoras – foi lançado em 1966, incluído na coleção Pop Art do criador. O seu nome era uma homenagem ao precursor do modelo black tie moderno – o smoking com lapela de seda, desenhado propositadamente para proteger as roupas masculinas da cinza dos cigarros, nos clubes, no final do século XIX. Inspirado no smoking masculino, YSL criou um modelo com um corte cintado e com um colarinho mais suave. Embora a origem da sua inspiração não seja totalmente clara, acredita-se que o criador tenha usado como referência a atriz Marlene Dietrich, mais concretamente a fotografia em que a mesma surge vestida com um smoking para a personagem do seu filme de estreia em Hollywood. YSL acreditava que a sensualidade feminina se destacava no interior de um fato masculino, pois só assim “conseguiria lutar contra um traje que não é o seu”.
Le Smoking foi uma afirmação radical para a época, pois era impensável uma mulher usar calças para um evento formal. Talvez por isso, os seus clientes habituais de alta-costura não tenham ficado nada agradados, fazendo com que apenas vendesse um Le Smoking. No entanto, em setembro de 1966, YSL abriu a sua boutique de prêt-à-porter, na zona atualmente conhecida como a mais chic de Paris (Rive Gauche ou lado esquerdo do rio), onde uma versão de valor mais acessível do Le Smoking foi posta à venda e se tornou um sucesso praticamente instantâneo, junto de clientes mais jovens e open-minded. No entanto foram precisos anos para que algo que hoje podemos facilmente ver exposto em qualquer vitrina fosse transversal a toda a sociedade. Por incrível que pareça, até 2013 existia uma lei francesa em vigor que proibia as mulheres de usarem calças. “O símbolo da mulher moderna”, como o próprio Saint Laurent disse, é ainda hoje alvo de escrutínio, e a sua presença é apenas transversal em sociedades ocidentais.
Mas, quanto mais a reação era adversa, mais as mulheres que adoravam o Le Smoking ganhavam coragem e defendiam o seu uso. Em 1968, quando a socialite Nan Kemper foi impedida de entrar no restaurante La Côte Basque, em Manhattan, por estar a usar calças, a mesma decidiu despi-las e jantou apenas com o casaco, usando-o como se de um vestido se tratasse.
A criação de Yves Saint Laurent de 1966 poderia perfeitamente fazer parte da próxima coleção outono-inverno, o que só prova que os grandes criadores são, na maioria das vezes, artistas visionários. “De génio e de louco todos tempos um pouco”, diz o provérbio, mas a verdade é que é preciso, de facto, ter um pouco de loucura para apostar numa ideia que a sociedade não está preparada para receber e nem sabe o que fazer com ela. Le Smoking foi muito mais que uma peça de roupa, foi uma espécie de “grito de liberdade” que YSL criou para as suas clientes, que o procuravam para se sentirem poderosas e femininas. As suas coleções eram sempre pensadas ao detalhe, sempre com a sensualidade das suas musas a liderar todo o processo criativo, como era o caso de Loulou de la Falaise, que acabou por se tornar uma grande amiga do criador.
Esquecemo-nos de que a indústria da moda é muito mais que desfiles, criadores ou modelos. É, muitas vezes, a maior prova de personalidade e manifestação de rebeldia que um ser humano pode ter. E, por isso, desafio-vos a procurarem uma coleção feminina que não inclua um fato. Do luxo à moda prêt-à-porter, ele está praticamente omnipresente. E tem sido a escolha número um de algumas atrizes para eventos formais e/ou cerimónias de prémios. Podemos agradecer a Yves Saint Laurent e ao seu Le Smoking. Obrigada, grande artista.
Por: Cristina Valente