Reconhecido em Portugal e no mundo pela sua cozinha criativa e contemporânea, José Avillez colocou o seu nome e muitos dos seus restaurantes na constelação Michelin. Ousou, criou e reinventou pratos clássicos portugueses com técnicas modernas e empratamentos arrojados quando assumiu a cozinha do memorável Tavares, decorridos oito anos da viragem do século. Agora, este chef, viu o seu Belcanto estar no meio da tabela dos cinquenta melhores restaurantes do mundo, elevando ainda mais a gastronomia nacional.
O que tem de tão especial o Belcanto, que, desde que abriu, foi sempre premiado?
O Belcanto acaba por ser um conjunto de fatores que o faz ser muito especial. Usamos os melhores ingredientes com muita criatividade e com inspiração na cozinha portuguesa. Temos também uma equipa muito dedicada. Porém, o fator preço torna-o mais exclusivo; é nos dias de hoje um restaurante que está com uma antecedência até quatro meses para reservar – isto ao jantar, porque para almoço a antecedência é maior, podendo chegar aos oito meses. É um projeto que vai fazer 12 anos e que me deixa muito feliz.
E agora é o 25.º melhor restaurante do mundo. A que se deve esta designação?
Portugal beneficia muito do facto de estar na boca do mundo. Cada vez mais turistas nos visitam e com isso também procuram os nossos restaurantes. A nossa equipa, no Belcanto, não fez um trabalho exclusivo para ganhar este prémio ou as duas estrelas Michelin, uma logo quando abriu, em 2012, e outra em 2014, mantendo ambas até agora. Sabe sempre muito bem a toda a equipa receber estas distinções; é um grande orgulho. Costumo dizer que todos os dias procuramos ir mais além. Isto significa que todos os dias tentamos ser um pouco melhores. Podemos sempre fazer melhor, há sempre margem para evoluirmos. O verdadeiro desafio é superar as expetativas dos nossos clientes. Esse é o nosso objetivo diário.
Qual foi o primeiro restaurante e o que guarda desses tempos?
Foi o Cantinho, que abriu em 2011, três meses antes do Belcanto; foram dois projetos quase ao mesmo tempo. O Belcanto era para ser o primeiro, mas as obras atrasaram-se e abriu uns meses depois. Desde aí até agora foi sempre uma aprendizagem constante. Já tinha tido outros projetos, como catering, takeaway e um restaurante em 2004. Em 2008, assumi a cozinha do Tavares, onde estive três anos, tendo o restaurante recebido uma estrela Michelin em 2009. Mas o Cantinho acaba por ser o primeiro projeto, foi tudo um início, desde o design do espaço e da cozinha à construção da carta; foi tudo criado do nada. Era um espaço que ninguém acreditava que iria resultar e doze anos depois continua um grande sucesso todos os dias, ao almoço e ao jantar, com portugueses e estrangeiros de todas as partes do mundo. O primeiro acaba sempre por ter um gosto especial, tem uma cozinha mais democrática e pode-se ir mais vezes. É um projeto que está sempre no meu coração.
Como foi a sua experiência no histórico Tavares?
Acredito que as pessoas primeiro estranharam, mas depois perceberam o reconhecimento que o restaurante estava a ter internacionalmente e o que isso traria em termos de turismo, e também por receber a estrela Michelin passado um ano. Foi talvez desde aí que se começou a olhar para a cozinha portuguesa de uma maneira diferente. Para ser justo, outros chefs, como o Vítor Sobral, o Miguel Castro e Silva, o Joaquim Figueiredo ou o Luís Baena, começaram antes de mim a desenvolver uma nova cozinha portuguesa mais contemporânea e, em cima dos ombros deles, tive oportunidade de ver mais além e de definir o meu trabalho. Isto acaba por ser um resultado que não é só de uma pessoa, nem de uma geração; é um trabalho de muitas pessoas e de muitas gerações.
Como decidiu que seria a cozinha o seu trabalho?
Sempre gostei de cozinhar, mas não pensava que viesse a ser parte da minha vida profissional, e achava que seria um cozinheiro amador, para os amigos, como divertimento. Mas não foi assim; hoje em dia quase não cozinho para os amigos e a cozinha virou a minha vida. E quando se gosta muito daquilo que se faz e há uma grande paixão, acaba por ser inevitável. Comecei há cerca de 23 anos, nesse tempo fascinavam-me os programas de televisão e tive uma mentora extraordinária, Maria de Lurdes Modesto, que foi patrona da minha tese de licenciatura sobre Gastronomia Portuguesa.
Mas não fez licenciatura em cozinha ou restauração.
Não. Estudei Artes porque queria ser arquiteto e acabei por me formar em Comunicação Empresarial, e foi aí que fiz essa tese de licenciatura. Creio que nesse tempo percebi que era isto que queria seguir como profissão. Depois, fiz cursos pontuais e específicos de cozinha, mas sempre fui um autodidata.
Neste momento, quantos restaurantes têm a sua assinatura?
São dezasseis, contando com os quatro conceitos que há no Bairro. Tivemos outros que fechámos, muito devido à pandemia, mas estes já dão muito trabalho e muito entretenimento, e divertimo-nos muito a trabalhar. Às vezes também ficamos cansados, mas os negócios correm bem, temos conseguido evoluir no nosso trabalho de cozinha e no serviço de sala, sempre com muitos desafios diários. Trabalhamos com centenas de pessoas, apesar de ser cada vez mais difícil contratar, o que se torna um problema devido à formação que todos têm de ter. Mas estamos muito contentes com o que temos vindo a fazer e a criar.
E um dia voou para longe e levou a sua cozinha para o continente asiático.
É verdade, abrimos no Dubai, o Tasca, há cerca de cinco anos, e em 2022, recebemos uma estrela Michelin. Este espaço foi o primeiro projeto de internacionalização, está situado no Mandarin Oriental Jumeira e tem uma cozinha genuinamente portuguesa. Em Macau, temos o Mesa, situado no Lagerfeld Hotel – é também com cozinha portuguesa, mas mais contemporânea, usando alguns produtos e sabores locais. Apesar do mesmo continente, são dois mercados muito diferentes mas muito interessantes que temos gostado de explorar. Ambos foram um desafio muito grande. Em Macau, é muito interessante descobrir as muitas memórias portuguesas que ali existem, havendo também muitos macaenses a gostarem da nossa cozinha.
Quantas sãos as estrelas Michelin que já recebeu?
É fácil, 2+1+1 resultam em quatro estrelas Michelin. Estas foram para os espaços com chef. O que acontece nestas circunstâncias, por exemplo, quando o chef larga um dos espaços, muitas vezes o Guia tira a estrela. No meu caso, estão juntas porque acabo por ter em cada um dos espaços também o chef de cozinha, que acaba por fazer parte dessas estrelas e também toda a equipa, e isto é muito importante perceber-se. Quando uma ou mais estrelas são entregues a um restaurante, esse resultado e esse restaurante só existem pela equipa toda. A estrela é entregue a um serviço no seu todo com cozinha de excelência.
Como vê a cozinha ou a gastronomia? O que é o mais importante para si?
Para mim, na cozinha o mais importante é o sabor. Esta é uma frase que costumo dizer quando discutimos se a cozinha é ou não uma arte ou estética que se come com os olhos; para mim o mais importante é o sabor, isto é o que eu defendo. Dou também muita importância às texturas que podem promover o sabor. Mas não me deixo render às técnicas, apesar de haver alguma tentação, principalmente para os jovens cozinheiros, tenta-se que as técnicas abafem os ingredientes e o prato em si, isto para mostrar mais técnica ou conhecimento, depois esquecemos o que é realmente importante. Eu fecho os olhos e saboreio um prato, e o que me emociona, ou não, é o sabor e a textura. Na parte das técnicas é um pouco diferente, mas estas têm de ser bem usadas.
O Maré é o seu mais novo projeto. É um desafio por ser tão grande?
Sim, mas nós estamos habituados ao Bairro, com 150 lugares com vários conceitos com uma cozinha de produção conjunta. O Maré, no Guincho, tem cerca de duzentos lugares, embora estejamos a operar com 150; há uma esplanada fechada porque é mais ventosa. É um desafio enorme. É também um espaço muito perto de onde nasci e há ali muitas pessoas que conheço desde sempre que lá vão, por isso a carga simbólica é maior. Estamos muito felizes com o resultado, há várias opiniões muito positivas, existe sempre algo a melhorar, mas, no conjunto, é positivo.
Há pouco tempo surgiu um conceito diferente no meio do Alentejo.
O Casa Nossa é de facto um projeto um pouco diferente de tudo o que já fizemos. É uma casa numa herdade alentejana, perto de Monsaraz, muito exclusiva e com total privacidade. É alugada por inteiro na modalidade de pensão completa. Tem também a particularidade de ter uma sala de espetáculos que serve para fazer apresentações, o que é ótimo para empresas. Há duas piscinas e um acesso direto ao lago do Alqueva, com uma pequena praia fluvial e um ancoradouro privado para desportos náuticos. É excelente para grupos de amigos ou eventos privados.