Forjados pela audácia e pela coragem, dois jovens partiram para a Boca do Lobo. Sempre os mesmos e nunca iguais, Amândio Pereira e Ricardo Magalhães, que nos conta a história, levaram o design português ao mundo. Na interpretação da portugalidade, fizeram nascer peças, manufaturadas por mãos talentosas, onde a indiferença é impossível. Das feiras internacionais saíram para os filmes de Hollywood, e o que era um sonho arrojado, foi realizado.
Vamos dar uma volta ao tempo e recordar como foi o início da marca.
Aquilo que viria a ser o Covet Group nasceu em 2003, e marca Boca do Lobo em 2007. Mas tudo começou com a amizade que há entre mim e o Amândio Pereira desde os nossos 11 anos, quando frequentávamos o antigo ciclo preparatório; desde aí estudámos juntos. Mais tarde, o Amândio foi para Milão fazer o Erasmus e voltámos a encontrarmo-nos no último ano da faculdade. Eu formei-me em Design de Interiores e ele em Design de Produto. Uma vez, durante um verão, fomos desafiados por um professor para fazermos um projeto de interiores para o sector da saúde. Aceitámos, correu bem e durante quatro anos desenvolvemos esta vertente de projeto chave-na-mão, gerindo equipas, acompanhando obras e processos de produção de móveis e também a gestão financeira. Isto deu-nos uma bagagem muito grande.
Estão onde idealizaram chegar? Foi pelo sucesso das peças ou fruto do trabalho conjunto?
Começa tudo pela nossa vontade e pela vontade com que sempre fizemos tudo. Ao longo dos anos, fomos treinando equipas para que tivessem o nosso ADN. Hoje temos onze marcas dentro do grupo e o nascimento de cada uma reporta a um período em que decidimos criar uma marca nova por ano. A marca Boca do Lobo estava a correr bem, tínhamos a nossa estrutura, mas percebemos que esta marca era só uma proposta, embora fundamental. Acreditámos que o percurso que desenvolvemos tinha de acontecer assim e agora percebemos que faz todo o sentido termos estas marcas.
Em todas há produtos criados de forma artesanal e com caraterísticas muito próprias.
A vertente manual, o craftsmanship, é o denominador comum de todas as marcas. Há umas mais específicas, como a Boca do Lobo, onde temos toda a nossa história e a reinterpretação de técnicas que já quase não se encontram. Tentamos dar uma nova vida a estas artes e uma nova vida a estas especializações através da nossa responsabilidade social, mas é quase inglório, não há grande interesse por parte dos jovens. Se nada for feito, perde-se um património muito importante.
Um produto vosso pode passar por quantos artesãos?
Muitos, mesmo. Uma das peças que desenvolvemos, o sideboard Soho, passa por doze artes, completamente díspares. Às vezes brincamos dizendo que, se alguém quisesse aceitar o desafio e fazer uma cópia, podia começar por essa peça; eu desejo-lhe boa sorte.
Direcionaram-se para o segmento de luxo por que razão?
Quando a marca Boca do Lobo teve início, obrigava-nos a uma capacidade financeira sustentável, e nesse tempo a situação, do país não era favorável; começámos em contraciclo, a banca estava praticamente fechada. Também assumimos que não recorreríamos a empréstimos. Por isso, o que fizéssemos teria de ser autossustentável e o que gerássemos, em termos de cash flow, com os projetos de interiores, teria de nos permitir uma estrutura financeira confortável.
Já faziam peças ao mesmo tempo que criavam esses projetos?
Sim, porque assumimos uma pequena oficina de um tio do Amândio que gerava resultados devido às peças que criávamos para esses espaços de saúde. Em paralelo, fazíamos testes com peças que acreditávamos ser a nossa referência e a identidade Boca do Lobo. Naquele tempo, começámos por trabalhar cinco peças mais clássicas com acabamento contemporâneo, sem grande arrojo, e uma mais “fora da caixa”. Estávamos a testar e a provocar o comportamento do mercado. Havia a nossa visão e as nossas crenças, mas poderia ser utopia. Nesse tempo, através do Centro Português de Design, fizemos a primeira aparição internacional. Sempre acreditámos que a internacionalização seria o nosso caminho.
Perceberam que havia espaço para a vossa criatividade e design.
Portugal tinha uma História, mas não havia arrojo para a contar e as pessoas não se interessavam pela portugalidade. Contar a nossa História em peças para decoração era quase absurdo. Por exemplo, pegar no estilo manuelino e dar-lhe um cunho contemporâneo ou pegarmos em peças clássicas, transformá-las e acrescentar-lhes valor, com azulejaria, talhas ou outros pormenores, era o nosso objetivo. As propostas teriam de ser contemporâneas e com alguma provocação. E foi a nossa marca. No início, havia três coleções, a Soho, a Coolors e depois uma outra, Limited Edition, isto porque em Londres, tivemos um feedback fantástico por parte do público em relação à peça Soho, que é provocatória e editorial. Ao percebermos isso, acreditámos que, se desenvolvêssemos outras peças no mesmo registo criativo, peças que se enquadravam na coleção Limited Edition poderiam não resultar em negócio, mas resultariam em visibilidade e notoriedade. A verdade é que tivemos uma grande surpresa, abandonámos as peças mais clássicas e focámo-nos nas mais arrojadas e de edição limitada. Hoje, a Boca do Lobo é conhecida pela sua proposta, pelo seu desafio, pela sua elegância e pela coragem.
Qual a peça mais extraordinária que fizeram?
Quando olhamos para trás, rimo-nos do que fizemos e percebemos que só com uma boa dose de loucura seria possível acontecer assim. Mas em termos de peça icónica e que nos marcou, é sem dúvida o Soho. Há também o Millionaire Gold, a peça que apresentámos na nossa primeira feira de Milão. Produzimos o cofre em 72 horas, sem parar dia e noite. Comunicámos a Milão que íamos apresentar o Millionaire, fizemos uma comunicação de venda, com dois meses de antecedência, tivemos uma aceitação gigante, um mês depois já estávamos na capa de uma revista de Hong Kong. A peça tem um grau de dificuldade incrível, mas, com a capacidade que temos em fazer acontecer, em conjunto com os designers e artesãos, conseguimos produzir tudo a tempo. O cliente recebeu a peça em casa, levámo-la para a feira, onde aconteceram mais vendas, e é isto que carateriza o nosso ADN.
E chegaram ao cinema, para crianças e mais crescidos.
Várias marcas do nosso grupo têm marcado presença assídua nestes palcos. Algumas das nossas peças estão no filme Tom and Jerry, lançado em 2021, é uma comédia para todas as idades que mistura live-action com animação. Antes, cerca de trinta peças nossas decoraram o apartamento de Christian Grey, no filme As 50 Sombras de Grey. Fomos convidados pela Universal Pictures por termos um design que se encaixava no pretendido. O produtor já nos tinha questionado à distância, por email, para saber qual seria a nossa abertura; aqui não sabíamos qual era o filme. Mesmo na oficialização da proposta, havia sigilo e não comunicámos logo. Mas foi uma experiência muito interessante.
Como foi passarem de jovens talentos a empresários de sucesso?
Temos um percurso que nos orgulha. Com alguma vaidade, percebemos que conseguimos influenciar e motivar outros em Portugal, na aposta e na criação de marca de valor acrescentado. E acho a nossa principal bandeira não é só o nosso percurso enquanto projeto Boca do Lobo, mas sim aquilo que representamos e contribuímos para o crescimento do sector nacional a nível internacional; há um sentimento de orgulho pelo que provocámos na afirmação do design português.
O que deve fazer quem estiver interessado nos vossos produtos?
Privilegiamos o contacto direto. Ajustamo-nos aos fusos horários dos mercados internacionais e temos uma equipa versátil e capaz de dar resposta aos nossos clientes de forma personalizada. O nosso foco teve sempre um cariz muito internacional; crescemos a afirmarmo-nos noutros países e só depois em Portugal. Mas, há uns tempos, conhecemos o António Sardinha, que nos representa aqui e tem ajudado a fazer aproximação ao nosso público no mercado nacional. Todos os nossos parceiros e clientes são importantes, mas, em particular, o António é o nosso embaixador nacional. Nós descurámos o nosso mercado no início, mas cá estamos com as nossas propostas, a nossa história e os nossos desafios.