A celebrar 50 anos de existência a Ocean Race contou nesta edição com uma equipa cem por cento portuguesa. Comandada pelo skipper António Fontes, um velejador que conta com cerca de 150 mil milhas em regatas no mar, a equipa participou com uma embarcação VO65, sendo patrocinada pela Mirpuri Foundation. Ao longo dos anos, o velejador português participou em várias regatas sendo destaque a travessia solitária pelo oceano Atlântico.
Esta Ocean Race contou com uma equipa nacional, como correu esta prova?
Nesta edição, foi a primeira vez que partimos para a prova com uma equipa cem por cento portuguesa, e a regata em si correu bem. Chegámos a Gibraltar em segundo lugar, na nossa classe, nos VO65, mas infelizmente houve uma falha nossa numa regra, não rodámos uma boia, e tivemos de sair da prova; não cortámos a linha de chegada. Na realidade não fizemos o percurso completo e, por isso, não podíamos de forma alguma exigir uma classificação, não seria correto.
Como era o ambiente a bordo?
Foi sempre muito positivo. Fomos o barco que fez mais milhas em 24 horas. A regra obrigava a ter quatro, dos dez velejadores, com menos de 30 anos. Nós tínhamos seis mais velhos e quatro mais novos, destes ninguém tinha muita experiência de offshore, mas correu muito bem apesar de pouco tempo de treino. Os mais novos mostraram uma atitude incrível e foi muito bom vê-los evoluir durante a prova.
Como é que configurou esta equipa?
Dois deles já trabalhavam comigo, caso da Matilde Melo, que estava muito bem preparada, e do Francisco Cai-Água, que conhecia muito bem o barco. Quanto aos velejadores Bernardo Freitas, Mariana Lobato e Frederico Melo, vencedores da Ocean Race Europe em 2022, seria decisivo estarem na Mirpuri Foundation Racing Team para esta regata. O Diogo Cayolla e o Hugo Rocha já tinham provas dadas neste tipo de competição, o Francisco Maia e a Francisca Pinho eram os outros dois mais novos sem muita experiência.
Como é estar na mesma regata e no mesmo barco com a Mariana Lobato?
A Mariana é minha mulher e mãe dos meus dois filhos, mas a bordo somos todos tripulantes profissionais. Somos colegas de trabalho e acaba por ser engraçado partilhar estes momentos. Porém, a logística não é fácil quando estamos os dois no mar e há duas crianças em terra à nossa espera.
O apoio da Fundação Mirpuri é importante nesta competição?
Desde 2017 que a fundação apoia uma participação na Ocean Race. Começou com o Turn the Tide on Plastic, projeto da Ocean Race Europe que se realiza à volta da Europa. A Ocean Race é uma aposta bastante forte que a fundação tem realizado e é muito importante, porque de outra maneira não seria possível haver esta participação. Os nossos velejadores mais velhos são lendas vivas, caso do Hugo Rocha e do Diogo Cayolla; com isto conseguimos trazer os mais jovens, porque esta foi uma oportunidade que se calhar não volta a acontecer. É pouco provável que os astros se alinhem de novo para esta configuração; uma equipa cem por cento portuguesa, um projeto com fundos e um barco competitivo – por tudo isto e muito mais, a Fundação Mirpuri é primordial.
Há alguma hipótese de voltarem à prova?
Ainda não está decidido pela fundação se voltamos ou não. A prova deste ano tinha duas classes, os IMOCA 60 e os VO65, que é o nosso, e para este é suposto fazerem-se as duas etapas finais Dinamarca-Holanda e Holanda-Itália. Mas, se a decisão for voltarmos, a equipa já não será a mesma, porque pelo menos a Mariana Lobato vai fazer o IMOCA Biotherm, entre outras circunstâncias, por isso, mesmo que o nosso barco vá, não será igual.
O que sente ao participar nesta competição de vela oceânica?
É muito desafiante e é muito tempo no mar, embora isto tenha mudado nesta edição; em vez de nove meses passou a seis. Mas é tudo muito intenso; mesmo não estando sempre no mar, há o trabalho em terra que tem de ser feito, como a manutenção do barco. São meses bastante duros fisicamente.
O que é que sente no mar ou pelo mar?
O mar dá-me liberdade e independência. A qualquer momento temos de nos desenvencilhar sozinhos, ali só podemos contar connosco para chegar ao outro lado. Não há reboque para nos levar ou reparar avarias. Podemos eventualmente contar com os adversários, estes acabam por ser os únicos meios de salvamento por perto. Uma regata no mar é um desafio constante às nossas capacidades.
Numa regata no mar, o que é que o assusta mais?
É perder alguém. Quando, em 2018, estivemos na ainda Volvo Ocean Race, na etapa Nova Zelândia-Brasil, fizemos uma manobra perigosa e perdemos um tripulante, e isto é mesmo o pior que pode acontecer, não chegámos os nove a terra. Este acidente foi no Ponto Nemo, entre a Nova Zelândia e o Chile, o lugar mais inacessível da Terra e o sítio mais longe que se pode estar de terra firme; o humano mais perto de nós estava na Estação Espacial, a 416 quilómetros de altitude. Era impossível fazer mais do que aquilo que fizemos.
Quantas milhas ou voltas à Terra já realizou?
Voltas à Terra completas, nunca dei. Dessa vez do incidente, íamos passar o cabo Horn, onde as águas do Atlântico e do Pacífico se encontram, mas não passámos. Antes da Volvo Ocean Race, acho que tinha cem mil, agora deve andar à volta das 150 mil.
Quando teve início a sua relação com o mar ou com a vela?
Começou por volta dos meus 8 anos. O meu avô sempre teve barco e sempre tivemos uma boa relação com a vela. A família toda andava de barco no verão e fazíamos vela. Quando já tinha idade, comecei nos pequenos Optimist. Nunca tive dúvidas de que a minha vida passaria pelo mar e pelos barcos.
O que pode destacar do seu trajeto como velejador?
Fiz durante uns anos a Match Racing, uma competição só com dois barcos, um contra o outro. Fui campeão português em 2007 e 2008; o nosso melhor resultado foi o terceiro no europeu. Também fiz a Mini Transat, em 2015, que é uma regata de travessia do Atlântico, sozinho, cada um no seu barco, de 6,5 metros; no total, eram oitenta, cheguei ao fim no 13.º lugar. A primeira etapa foram oito dias até às Canárias e mais dezasseis dias até às Caraíbas. Naquele tempo as regras não permitiam ter tudo o que temos hoje em dia – GPS, radares – e também não tínhamos comunicações.
O que aprendeu com esse tempo todo no mar?
Aprendi bastante, não só da parte de navegação e meteorologia, mas também a conhecer-me um pouco mais. Estar dezasseis dias sozinho faz pensar em tudo. Também há algumas frustrações, como estarmos em regata de competição e nalguns momentos não haver vento para andar; isto é muito frustrante, mas faz parte.