Nasceu, em França, Ginette Dior, na região administrativa da Normandia, foi presa pela Gestapo e torturada. Mais tarde fica conhecida como Catherine e, quando o irmão Cristian Dior já não tinha esperanças de a encontrar, chega desfigurada perto dele. Renasce, torna-se produtora de flores e é homenageada com a fragrância Miss Dior. Esta é uma história que uniu os aromas campestres aos tecidos glamorosos que fizeram da Maison Dior um símbolo internacional.
Uma história quase esquecida que renasceu
A diretora criativa da Maison Dior fez Catherine viver de novo. Esta história de vida incrível e improvável não poderia ficar presa nas páginas de um livro. Talvez por isso, a identidade da marca francesa mudou, mantendo a elegância de sempre. Para Maria Grazia Chiuri, Dior significa feminilidade e não ativismo, como revelou, nas T-shirts com a frase “We Should All Be Feminists” no seu primeiro desfile, em 2017. Este momento ficará para sempre na História da moda e, nos dias de hoje, esta frase representa a marca, tal como, em 1947, as grandes saias rodadas marcaram eternamente a marca Christian Dior. E, se na sua passagem por Lisboa, para o evento da Condé Nast, Maria Grazia disse que a mulher Dior pode ser feminina de um modo poderoso, em 2019, revela uma coleção inspirada numa mulher elegante que foi uma figura da Resistência francesa, uma jardineira e a irmã daquele que evidenciou a elegância feminina. Para estes irmãos, os jardins e as flores podem ter sido uma maneira de recuperarem da tragédia da Segunda Guerra Mundial. E, no mais recente desfile, no jardim das Tulherias, em Paris, onde Joana Vasconcelos instalou a sua imensa Valkyrie Miss Dior, foi uma clara homenagem a Catherine Dior.
A infância que correu pelos campos
Nasceu a 2 de agosto de 1917, em Granville, numa espécie de palácio cor-de-rosa, o majestoso Villa Les Rhumbs, instalado no cimo de um rochedo, rodeado de jardins de onde se via e se sentia o mar. Catherine era a mais nova dos cinco filhos do casal Madeleine e Maurice Dior. Enquanto o pai fazia fortuna com uma indústria de fertilizantes, a mãe dedicava-se aos jardins que rodeavam a casa. E Catherine corria pelos campos de rosas, gerânios, jasmins e pelo pequeno bosque de pinheiros. Ao delicioso aroma que as flores libertavam, juntava-se o cheiro da maresia, criando uma fragrância que iria ser recordada para sempre. Com uma infância rodeada de inocência, foi preparada para ser uma menina aristocrática, teve aulas com professores privados de Literatura, História e Etiqueta Social. Foi também instruída para desempenhar relevantes papéis na sociedade; este teria sido o único pormenor importante que levaria vida fora. Catherine iria desempenhar um papel importantíssimo na vida do seu irmão Christian Dior. Com a prematura morte da mãe, o início da sua adolescência é interrompido e, aos 14 anos, fica sem uma das suas maiores referências, sendo o pai, muitas vezes ausente, e uma governanta que assumem a continuação da sua educação. A grande proximidade do seu irmão apesar dos doze anos de diferença, ajudaram a passar estes momentos e dizem que nessa época Christian já desenhava vestidos para Catherine e ela adorava experimentar os modelos que ele costurava.
Uma improvável heroína
O crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 fez-se sentir em França e com isto os negócios de adubos e fertilizantes de Maurice Dior ruíram, e a família teve de se mudar para Callian, uma pequena aldeia a 800 quilómetros de Paris. Catherine acompanhou o pai, e Christian ficou na capital porque estava a estudar pintura e já ganhava algum dinheiro, que enviava à família. Mas um dia, num mercado perto de Cannes, onde ia vender as frutas e os legumes que cultivava em Callian, conheceu Hervé des Charbonneries, o membro fundador de La Résistance, uma organização secreta que lutava contra a ocupação nazi em França, e apaixonou-se ou, como dizem os franceses, foi un coup de foudre. A partir deste dia era frequente ver Catherine a conduzir a sua bicicleta enquanto entregava panfletos e mapas aos resistentes. Mais tarde, muda-se para Paris e passa a viver com Christian, mas as suas atividades como mensageira – levava documentos secretos para outras células da Resistência –, continuavam e, em 1944, é presa pela Gestapo. Foi interrogada e torturada, mas sempre se recusou a divulgar informações sobre a Resistência. Foi condenada à morte e enviada para o campo de concentração de Ravensbrück, a 90 quilómetros de Berlim, onde passou os últimos meses da guerra, tendo sido libertada em abril de 1945. A família e amigos de Catherine não sabiam se estaria viva uma vez que não tinham tido qualquer notícia sua desde a sua prisão; o seu irmão estava desolado e pensava que tinha morrido. O fascínio de Christian Dior pelo tarot pode ter começado aqui, já que estas cartas do destino, lidas por Madame Delahaye, davam-lhe esperança. Em maio, Catherine Dior e centenas de outros prisioneiros chegam de comboio a Paris. Christian Dior estava na estação, cheio de esperança, mas não conseguia vê-la, até que chega perto dele uma mulher ferida, desfigurada, suja e mal vestida. A emoção foi tremenda. A sua irmã parecia ter envelhecido cem anos, mas estava viva. Catherine Dior recebeu várias medalhas de honra, onde se inclui a Croix de Guerre, a Medalha do Rei pela Coragem na Causa da Liberdade e da Legião de Honra. Em 1952, testemunhou, num julgamento, contra catorze pessoas responsáveis pelo escritório da Gestapo em Paris e viveu com Hervé des Charbonneries até 1989 sem nunca se terem casado.
Miss Dior
Após o trauma, Catherine Dior regressa, em 1945, ao lugar onde passou a infância, começa a produzir flores, cria o seu negócio e faz-se uma notável produtora de rosas, jasmins e lírios. O seu jardim, em Les Naÿssès, é um um hino à beleza depois de tanta escuridão. Catherine foi das primeiras mulheres na História de França a ter autorização para vender flores, no mercado de Les Halles. Em 1947, Christian Dior lança a sua primeira coleção, conhecida como New Look, que apresentava silhuetas femininas elegantes e sensuais, complementadas com um perfume exclusivo, o Miss Dior que segundo o próprio “cheirava a amor”. Tudo em homenagem a Catherine, tal como o célebre vestido carregado de flores. Mas, se olharmos bem para o resultado destes modelos, podemos perceber que Christian Dior tentou proteger as mulheres da magreza do pós-guerra com acolchoamento à volta dos ombros, dos quadris e do busto, ao mesmo tempo que revelava uma saia ampla e cintura marcada que vemos no bar jacket. Em 1952, Christian Dior morreu inesperadamente de ataque cardíaco, com 52 anos. Para o cortejo fúnebre foi criada uma passadeira imensa repleta de flores em frente ao Arco do Triunfo, em Paris. Catherine Dior é nomeada “herdeira moral” e responsável por salvaguardar o legado artístico do irmão, o que realizou meticulosamente guardando até o seu baralho de tarot. Catherine nunca escreveu memórias, preferindo deixar as suas ações falarem por si. A um veterano que lhe perguntou sobre suas experiências de guerra, ela respondeu apenas “Ame a vida”. Catherine Dior faleceu, com 91 anos, a 17 de junho de 2008, na sua casa em Callian, antes e após a morte de Cristian Dior, viveu no Château de La Colle Noire, em Montauroux, na região de Grasse, de onde ainda chegam as flores para fabricar o Miss Dior, sendo também o Museu Dior. A particularidade é que o jardim aqui desenhado por Christian Dior reflete as suas melhores memórias de infância na Normandia.