O seu nome está associado a obras de arte de grande formato. Depois do sucesso da instalação Valquíria, que serviu de cenário para o desfile da Dior, seguem-se já outros desafios. Em França, até setembro, apresenta Árvore da Vida e, a 8 de junho, inaugura, em Inglaterra, Bolo de Noiva, uma enorme escultura com doze metros de altura e três andares.
Para Joana Vasconcelos, o tamanho importa! Todas as suas obras têm em comum o grande formato. Artista plástica com fama mundial, o seu trabalho, do qual A Noiva, o lustre de cinco metros feito com tampões higiénicos (em 2005), ou o sapato gigante feito de tachos e panelas (de 2010) são apenas dois exemplos, é feito numa escala XXL. Ainda a saborear o reconhecimento internacional de ter sido escolhida para criar o cenário do último desfile da Dior, Joana Vasconcelos continua a dar cartas no estrangeiro e ei-la em França e Inglaterra com duas enormes instalações.
Uma árvore e um bolo
Árvore da Vida está em exposição na capela do castelo de Vincennes, em Paris, e é uma árvore em tamanho real cujas folhas, em várias tonalidades surgem bordadas e, quando vistas de perto, impressionam pelo pormenor. Árvore da Vida é uma monumental escultura têxtil com treze metros de altura, 354 ramos e mais de 110 mil folhas bordadas à mão, em muitas das quais foi aplicada a tradicional técnica do canotilho de Viana do Castelo.
A artista portuguesa nascida em Paris foi buscar inspiração à obra de Bernini Apolo e Dafne, do século XVII, que retrata o conto mitológico da ninfa que escolheu transformar-se em loureiro para escapar aos avanços amorosos do deus Apolo. Joana Vasconcelos concebeu, assim, a transformação do loureiro em que Dafne se tornou.
“Para sermos fiéis à beleza e sensualidade de Dafne criámos uma árvore elegante e sumptuosa. Emergindo do piso da Sainte-Chapelle, a obra estabelece um diálogo com o seu entorno deslumbrante, usando cores quentes e muito dourado. Começámos a bordar folhas em casa durante o confinamento e acabámos a criar uma escultura têxtil que homenageia o poderoso gesto de liberdade de Dafne num cenário de imposição”, afirma a autora, que está encantada com a luz da capela, cujos vitrais ajudam a fazer brilhar todas as tonalidades dos têxteis usados nesta obra.
O seu projeto mais ambicioso até à data é, no entanto, Bolo de Noiva, inaugurado a 8 de junho, em Waddesdon Manor, de lord Jacob Rothschild, em Inglaterra. Trata-se de um pavilhão escultórico com doze metros de altura e três andares, resultando num enorme bolo revestido a mais de 25 mil azulejos portugueses da Viúva Lamego, com 170 anos de História, em rosa-claro, verde e azul, e ornamentado com 1238 peças de cerâmica, também Viúva Lamego, com quedas de água e até um sistema de iluminação.
É inegável que estamos perante um delírio arquitetónico, mas também perante uma escultura que surge no meio dos jardins desta propriedade como uma casa de fresco, que celebra a festa do casamento. “Tenho abordado o tema do amor ao longo da minha carreira há quase trinta anos, mas este é o meu maior desafio até à data. Muitos artistas têm o seu ‘projeto impossível’ e este é o meu. Uma obra desta envergadura só se tornaria possível com a visão e o incentivo de um mecenas extraordinário e generoso. O lord Rothschild viu o seu potencial onírico, acreditou na minha equipa e deu-nos os meios para o concretizar. Um cruzamento entre pastelaria e arquitetura, a obra de arte só estará completa quando duas pessoas se encontrarem no topo do Bolo de Noiva. Que é, acima de tudo, um templo ao amor”, declara Joana Vasconcelos.
Este bolo de noiva é inspirado nos edifícios barrocos e nas tradições cerâmicas de Lisboa e ao estar inserido em Waddesdon Manor, passa a integrar a significativa coleção de escultura histórica e contemporânea reunida por lord Rothschild.
O cenário de Valquíria
Foi precisamente graças ao reconhecimento do seu trabalho de grandes dimensões que Joana Vasconcelos recebeu um convite (mais um) da Dior. Maria Grazia Chiuri, a diretora criativa da Casa de luxo francesa, pediu à artista portuguesa para criar o cenário do desfile outono-inverno 2023/24 da Dior. A enorme instalação deu vida à coleção e encantou os convidados, a imprensa e a crítica ali presentes. A escultura têxtil foi feita à mão, tinha 24 metros de extensão, sete de altura e pesava mais de uma tonelada. A obra, uma reinterpretação de uma Valquíria, uma guerreira da mitologia nórdica, com vários corpos e braços ramificados, foi embelezada com tricô, croché de lã, bordados de Viana do Castelo e pedrarias de Paris. Dos ateliers da Dior, chegaram a Lisboa vinte tecidos da coleção que foram usados simultaneamente no desfile e na instalação. Para Joana Vasconcelos, esta escultura, chamada Valkyrie Miss Dior, “celebra o diálogo entre os corpos presentes, a roupa habitada e o espaço em questão, entre a alta-costura e as artes visuais”, num trabalho inédito entre dois campos. “Nunca as artes plásticas se cruzaram com a moda desta maneira, pode haver uma peça, pode haver uma interação, mas a este grau de escala, esta colaboração tão estreita que é partir do mesmo material em duas direções diferentes, acho que nunca foi feito”, afirmou. Um trabalho que a deixou feliz e que se insere numa continuidade com a Maison, já que, em 2019, fez a reinterpretação da icónica carteira Lady Dior, com um coração em LED e, em 2013, realizou a peça J’adore Miss Dior, com centenas de garrafas de perfume da marca para fazer um laço gigante. Longe de imaginar que um dia trabalharia para a Casa fundada pelo mítico Christian Dior, Joana Vasconcelos afirma: “A moda é uma parte importante da minha vida. Para quem, como eu começou a publicidade, longe de imaginar que um dia iria mostrar o seu trabalho nas Manobras de Maio de 1994, esta colaboração com a Dior é a concretização de um sonho”.
Arte, humor e ironia
Em 2012, no Palácio de Versalhes, Joana Vasconcelos já tinha apresentado uma Valquíria gigantesca numa das enormes galerias do edifício real. Já aí tinha surpreendido pelo tamanho da obra feita em croché de lã e pela sua dimensão de fantasia, e a exposição foi mesmo a mais visitada em França em 50 anos.
Todos são unânimes ao reconhecer que Joana Vasconcelos combina a arte, o humor e a ironia de forma natural. Nascida em 1971, é uma artista plástica reconhecida mundialmente pelas suas esculturas monumentais. A sua obra incorpora objetos do dia a dia, estabelecendo a ponte entre esfera privada e espaço público, questionando o estatuto da mulher, a sociedade de consumo e a própria identidade coletiva.
A aclamação internacional aconteceu, em 2005, na Bienal de Veneza, com A Noiva. Voltou a dar que falar, em 2013, com Trafaria Praia, o primeiro pavilhão flutuante da história do certame, a representar Portugal. Em 2018, tornou-se a primeira artista portuguesa a ter uma exposição individual no Museu Guggenheim de Bilbau.
Além do tamanho, a artista é profundamente influenciada pelas tradições artísticas do seu país, por isso a forma como combina os materiais nas suas obras reflete também as influências internacionais na cultura portuguesa ao longo dos séculos. Tudo com uma forte componente interativa, uma vez que o diálogo entre a obra e o público é… intencional.
ENTREVISTA
Como surgiu o convite para criar o cenário do desfile da Dior?
Através da diretora criativa da marca, Maria Grazia Chiuri, que me desafiou a conceber uma nova obra a partir de vinte tecidos da coleção outono-inverno 2023/2024.
O que significou este convite para si?
Foi uma honra e um desafio único, irrepetível. A minha ligação à moda vem de trás e tem-se expressado através de um diálogo que venho estabelecendo entre a moda e as artes plásticas. É-me muito estimulante o contacto entre os diferentes universos criativos.
Em termos genéricos, o que era aquela instalação?
Valkyrie Miss Dior é uma escultura têxtil, orgânica, que presta homenagem a Catherine, a Miss Dior original, irmã do fundador da Casa e sua musa. Era uma mulher corajosa, uma grande defensora da liberdade e também tinha uma grande paixão por flores.
Vai mostrá-la de novo ao público?
Esperamos que sim, as Valquírias não são criadas para ficar fechadas no atelier, mas para se espalharem pelo mundo como as figuras da mitologia nórdica onde vão buscar inspiração, que sobrevoavam os campos de batalha trazendo de volta à vida os bravos guerreiros, para se juntarem às divindades de Valhala.
Tem mais dois projetos em mão…
Um é a Árvore da Vida e o outro, Bolo de Noiva.
Do que se trata?
A Árvore da Vida representa a transformação da figura mitológica de Dafne, retratada por Bernini em Apolo e Dafne, uma das mais belas esculturas do mundo. Foi criada para a Sainte-Chapelle de Vincennes, tem treze metros de altura e mais de cem mil folhas que os artesãos da minha equipa bordaram à mão durante o confinamento. Como o grito de autodeterminação de Dafne, representa a superação em cenário de confinamento e é uma ode à liberdade. Já o Bolo de Noiva é um pavilhão escultural imersivo com doze metros de altura, feito a partir de azulejos e figuras de cerâmica da Viúva Lamego para a Waddesdon Manor da Fundação Rothschild. Um cruzamento entre arquitetura e pastelaria que é, acima de tudo, um templo ao amor.
Onde estão expostos?
A primeira foi inaugurada a 17 de abril na Sainte-Chapelle de Vincennes, em Paris. O segundo abre as suas portas, a 8 de junho, em Waddesdon Manor, Inglaterra.
Por: Alberto Miranda
Fotos: Arlindo Camacho, Lionel Balteiro e Direitos Reservados