Sinónimo de luxo no mundo inteiro, a marca Chanel dispensa apresentações. Mas quem era Gabrielle Chanel, mais conhecida como Coco? Quando se assinalam os 140 anos do seu nascimento, a F Luxury foi descobrir esta mulher pobre que desafiou os códigos da alta sociedade e criou uma verdadeira lenda.
Morreu há 52 anos, nunca se casou nem teve filhos. Nasceu numa família pobre, mas conheceu o luxo e a fortuna graças ao seu trabalho. Deixou para a posterioridade uma das maiores marcas de luxo de sempre, que hoje é um verdadeiro império e que deve muito da sua fama a Karl Lagerfeld, o diretor criativo da Maison francesa até à sua morte, em 2019, que em todas as coleções fazia autênticas homenagens a Coco. Hoje, Virginie Viard é a herdeira desta herança, cheia de códigos traçados por uma mulher que veio ao mundo há 140 anos numa zona rural, pobre, perto do Loire.
Oposto da infância pobre
Em Paris, dormia no luxuoso Ritz, na Place Vendôme, mas a sua casa era atrás do mítico hotel, na Rue Cambom. Era aí que tinha a sua loja, no rés do chão; o atelier, no primeiro andar, cuja escadaria foi revestida num caleidoscópio de espelhos art déco, e, no segundo andar, fazia a vida social e recebia as elites. O luxo presente no apartamento não podia ser mais contrastante com as suas origens humildes. Aqui tudo era belo e raro. Já no auge da sua carreira, Coco empenha-se em decorar uma casa elegante e sofisticada com misturas singulares de arte barroca europeia, onde o orientalismo também estava presente, sobretudo nos seus célebres biombos Coromandel em laca chinesa. O refúgio secreto de mademoiselle tinha as paredes forradas a papel pintado no tom de ouro, lustres de cristal, espelhos em talha dourada: um do século XVIII com o emblema dos Romanov; outro, veneziano, decorado com camélias em cristal de Murano, a sua flor preferida, depois de ter recebido o seu primeiro ramo na vida, com camélias brancas, de Boy Capel, um dos seus vários amantes. Os livros em couro gravado forram paredes e são uma companhia para as noites dedicadas à leitura. As cadeiras Luís XVI misturam-se com os veados em bronze dourado, com um par de esculturas, os mouros venezianos, e com caixas em prata oferecidas pelo duque de Westminster. Há bolas de cristal, esculturas de leões, o seu signo e a imagem da cidade de Veneza, que a encantou, e vários ramos de trigo, símbolo de abundância e de prosperidade, mas também de fecundidade, ela que nunca foi mãe… E para contrastar com os salões aristocráticos com sofás e fauteuils de costas rígidas, Coco desenha e manda fazer para a sala de estar um vasto canapé, em couro, onde se pode esticar e ler.
A miséria de Gabrielle
Nasceu há 140 anos e morreu há 52. Quando veio ao mundo ninguém na sua família poderia prever que se tornaria uma das mulheres mais famosas de sempre e que revolucionaria a moda. Gabrielle Chanel não gostava de falar das suas origens humildes e, muitas vezes, mentia sobre o seu passado, fingia não se lembrar das datas e contava episódios que não correspondiam bem à realidade para esconder a sua condição rural. Numa sociedade que ligava muito às aparências e que estava marcada pelas diferenças de classes, quem era pobre quase sempre nascia e morria nesse meio. Mas não foi esse o caso de Gabrielle, que, anos mais tarde, confessa: “Escolhi o que queria ser e é isso que sou”. E tudo isto tem uma explicação no seu passado. Gabrielle não nasceu do casamento dos pais. A mãe, Jeanne, era solteira e o pai, Albert, era vendedor ambulante. Um e outro não eram abastados e trabalhavam para sobreviver. O senhor Chanel tinha bom aspeto, mas era agressivo e não queria uma relação. Quando descobre que está grávida, o “namorado” não estava a seu lado, porém decidem viver juntos. O nascimento da segunda filha do casal, Gabrielle, não os une sentimentalmente, mas casam-se quando Coco tinha 1 ano. Nasceram mais três filhos, e a miséria da família é cada vez mais acentuada. Com 5 anos, Gabrielle gosta de ir brincar para o cemitério da sua aldeia. “Eu era a rainha daquele jardim secreto. Os seus habitantes subterrâneos fascinavam-me e aquelas lápides eram o meu quarto de brincar.” Em 1889, a saúde da mãe deteriora-se e morre de tuberculose. O pai não estava em casa e os irmãos ficam aos cuidados dos avós. “Queria suicidar-me. Durante a minha infância, só queria ser amada. A única coisa que me salvou foi o orgulho.” É então que é acolhida num convento de freiras, mas a sua condição de órfã não lhe dá um estatuto privilegiado. Sem amor, criou defesas. Tinha dormida e comida, mas o orfanato era sinónimo de humilhação, pela sua condição. Chanel não gosta daquele local onde foi abandonada. Torna-se orgulhosa, de temperamento difícil, não gostava de obedecer, mas o seu lado irreverente não esconde que está a transformar-se numa mulher com sonhos. Adorava ler histórias românticas nos folhetins dos jornais, onde as raparigas das classes altas se tornavam as suas heroínas. Estas descrições foram aspiracionais e no espírito de Coco começam a desenhar-se as suas ambições de deixar de ser uma provinciana. Aprendeu a coser roupa com uma irmã do pai e, aos 18 anos, quando deixa o orfanato de Aubazine, procura uma nova vida e já é ela quem faz as suas próprias roupas. Aos cuidados de uma família de comerciantes, trabalha numa mercearia e como costureira, tornando-se a preferida dos oficiais para fazer os arranjos nos uniformes.
Dois amores
Entre os tenentes galãs estava Étienne Balsan, que foi o primeiro homem a conquistar o coração de Coco, que percebeu de imediato a diferença de classes e que isso poderia ser proveitoso para si. Não queria a mesma vida da mãe. Estava disposta a escrever um outro destino, mais auspicioso. Queria ser independente e isso só era possível com dinheiro. Parte com Balsan para a sua casa de família, de três andares, espaçosa, e foi aí que aprendeu a montar a cavalo, porque a equitação era um passatempo dos ricos, como também aprendeu a saber estar e a comer com educação, sempre através da observação. Os amigos de Balsan não ficaram indiferentes ao espírito livre e ao estilo de Gabrielle. Já então sentia necessidade de roupas confortáveis e abominava os vestidos longos das elites, com caudas a arrastar. Andava com um pequeno chapéu de palha que ela própria fazia e que começou a ganhar adeptas entre as senhoras que frequentavam a casa de Balsan. Entretanto, conhece Arthur Capel, mais conhecido por Boy, e que foi o seu grande amor. “Foi o único homem que realmente amei”. De olhos verdes, atraente, alto, este inglês era rico, mas trabalhador. Foi ele quem a ajudou a abrir uma casa de chapéus, em Paris, em 1910, na Rue Cambom. O negócio foi um sucesso imediato e, três anos depois, Coco consegue pagar a Boy o dinheiro que este lhe emprestara. Era independente financeiramente. Em 1913, decide abrir uma loja em Deauville. Aqui, nesta estância balnear frequentada pelas elites, as senhoras passeavam-se na praia como em Paris, com vestidos longos com corpetes e chapéus muito adornados. Gabrielle desconstrói esta moda e cria roupa mais leve e despretensiosa, de estilo mais casual, desportivo, com camisolas de malha cómodas, sem cintos, deixando a silhueta mais fluida. Este êxito faz dela uma das primeiras mulheres empresárias do país e uma das mais ricas também, sem ter herdado fortuna. Com o início da Primeira Guerra Mundial, continua com a loja de Deuville aberta e decide não fechar a de Paris e as vendas não diminuíram. Segue-se uma loja em Biarritz, outro refúgio da alta sociedade. O pós-guerra e os emergentes loucos anos 20 do século passado mostram uma outra visão da sociedade, e a mulher, que passa a poder conduzir, aceita que a moda de outrora estava ultrapassada. A marca Chanel é a expressão desta nova vivência.
Novas amizades
A morte de Boy num acidente de carro deixa-a numa grande tristeza, mas nunca parou de trabalhar. Chanel não diminui a sua vida social e sabe que as suas criações continuam a despertar grande interesse, assim como a sua personalidade. É por esta altura que conhece Mísia Sert, que exerceu uma grande influência na sua vida, e que se tornaria amiga e confidente. É graças a esta mulher, de origem russa, que conhece os pintores Picasso, Braque, o empresário Diaguilev, o poeta Jean Cocteau e o compositor Igor Stravinsky. Stravinsky torna-se seu amante e Chanel apoia-o financeiramente, mas a estilista é trocada por outra mulher, o que ditou o fim da relação, mas não da amizade. Em 1922, em Biarritz, conhece um homem mais novo que a fascina desde o primeiro momento e que será duma influência decisiva.
O primo do czar
Trata-se do grão-duque Dimitri Pavlovitch, primo de Nicolau II, o último czar da Rússia. Dimitri era solteiro, elegante, envolto em mistério, porque tinha participado no assassínio de Rasputine. Era um exilado rico que vivia graças às joias dos Romanov que consegui fazer escapar da Rússia quando fugiu. Dimitri e Coco namoram um ano, e o jovem oferece-lhe várias das suas valiosas pérolas, que exercem um verdadeiro fascínio na estilista. É graça a este príncipe, agora sem trono, que Coco introduz as fiadas de pérolas nas suas indumentárias, hoje uma das imagens da marca Chanel. É também graças a Dimitri que Gabrielle se sente fascinada pela cultura eslava, e uma irmã do duque trabalha mesmo para ela como bordadeira. O perfume Nº 5, que a fizera milionária e que ainda hoje é um dos maiores sucessos da Maison francesa, nasceu para celebrar os seus 40 anos, e também teve a ajuda deste destronado russo. De facto, foi Dimitri quem apresentou Coco ao antigo perfumista dos Romanov. Marilyn Monroe, uma das maiores sex symbols da altura, também ajudou a dar fama a esta essência, porque quando lhe perguntaram o que usava para dormir respondeu: “Apenas umas gostas de Chanel Nº 5”. A relação entre o grão-duque e Gabrielle termina com o casamento de Dimitri com uma rica herdeira dos Estados Unidos.
Westminster e o tweed
Natal de 1923, Monte Carlo. Coco foi convidada para jantar no iate do duque de Westminster, um nobre inglês, tão rico quanto galanteador. Ali nasceu um romance entre ambos, que também seria determinante para Chanel. Bendor, como era carinhosamente tratado, apaixona-se e enche-lhe a casa de flores. “A minha vida começou realmente quando conheci o duque de Westminster. Tinha finalmente um ombro onde pousar a minha cabeça”, afirmou. Bendor fora casado e tinha filhas, mas era divorciado. A estadia nas propriedades britânicas do aristocrata dão a Coco acesso a um novo mundo. Passou a viver com ele e a percorrer várias das suas casas e imensas propriedades. O luxo está presente em todo o lado e, no entanto, também aprecia a sua simplicidade. A vida no campo marcou-a. Deixa-se contagiar pela discreta beleza da vida ao ar livre, e da Escócia trará para o seu universo o xadrez e o tweed, que achou elegante e cómodo, além de quente. Entretanto, o duque desejava um filho varão, mas Coco, já com mais de 40 anos, não conseguia engravidar, o que lamentou. Entretanto, Bendor refaz a sua vida e a relação de dez anos chega ao fim. Antes, escolhe o preto como moda. O preto, cuja inspiração vinha dos uniformes do orfanato, transformados em ícones de elegância. Esta cor seria a sua “vingança” de um passado humilhante em relação às ricas senhoras parisienses. Impôs a simplicidade do petite robe noire e os punhos e colarinhos brancos: “Foi-me permitido o luxo de dar às aristocratas e multimilionárias um aspeto de pobres”, dizia com ironia.
Fortuna na América
A crise económica de 1929 vem acentuar ainda mais a necessidade da contenção e de ocultar os sinais exteriores de riqueza. À espera de novos desafios e visionária, ruma até Hollywood. Trabalha na indústria do cinema a criar roupas para as grandes estrelas com o cachet de um milhão de dólares por ano. Coco começa um romance, mais um, com o poeta Pierre Reverdy, sem grande história, e apaixona-se por Paul Iribe, “o homem mais complicado que conheci”, admitiu, e que também viria a morrer de forma súbita. A década de 1930 é fértil em acontecimentos e, mais uma vez, mostra-se pioneira…
Coleção de diamantes
Depois de singrar como estilista e com o sucesso alcançado com o seu perfume, Coco Chanel aventura-se num novo desafio e até aí envereda por um caminho que não estava acessível aos costureiros, desenhando uma coleção de joias, apenas uma. Falamos de alta-joalharia toda em diamantes, porque fez várias de acessórios, com pedras de bijuteria. Foi em 1932. Chanel inovou ao criar peças que podiam ter usos diferentes: uma estrela podia ser um pendente de um colar, mas também podia montar-se numa pulseira, usar-se no cabelo ou como alfinete. Esse poder transformador de uma joia conquistou a elegante fina flor de Paris. Era um mundo novo que aquela criança pobre e órfã jamais pensara algum dia conquistar. Para isso ajudaram-na a sedimentar o seu gosto e conhecimento por joias dois homens nascidos em berços de ouro: o grão-duque Dimitri da Rússia, que lhe deu a conhecer as pérolas, e o duque de Westminster, na altura o homem mais rico da Grã-Bretanha. Seduzida pela pluma, tão usada nos chapéus, Coco cria plumas de diamantes, e estas passaram a ser um objeto de desejo das suas clientes. O sucesso foi incomparável e deixou espantadas as grandes joalharias francesas.
Detida na segunda Guerra
Habituada a surpreender, a ousar e a criar novos códigos, Chanel deu uma nova silhueta, acabou com os espartilhos e os grandes chapéus e inventou a roupa desportiva, a camisola de riscas, criou linhas de acessórios e bijuteria com aspeto de verdadeiro, mas talvez não tivesse ainda consciência de que se tinha tornado a mais influente estilista do século XX. Em 1936, as suas empregadas, imbuídas do clima reivindicativo das classes operárias, participam numa greve nacional. Teve de fazer despedimentos, até que, em 1939, com a França em guerra com a Alemanha, num dos períodos mais trágicos da Humanidade, Coco percebeu que, ao contrário do conflito de 1914-18, desta vez tinha de fechar o negócio de alta-costura, mas a loja do seu perfume continuava aberta, e os soldados e oficiais faziam fila para comprar o seu Nº 5. É nesta época que conhece o oficial alemão Hans Gunther von Dincklafe, que trata por Spatz, quinze anos mais novo, e começam um romance. Foi essa ligação que a levou a ser detida, acusada de colaborar com o regime germânico, mas foi libertada com a suposta ajuda de Wesminster e Churchill. A estilista junta-se ao seu novo amor, em Lausanne, na Suíça, mas a relação acabaria por terminar.
Fracasso e sucesso
Em 1954, mademoiselle decide voltar a apresentar uma coleção, não porque precisasse de dinheiro, mas porque ambicionava mais desafios. Vestia-se com cuidado, usava um laço na cabeça, como nos tempos do orfanato, a voz estava mais rouca, as sobrancelhas espessas e fumava incessantemente. Não cedeu à moda do tempo, não explorou as novas cores, não aderiu à minissaia (que considerava vulgar) e as críticas não foram positivas, mas continuou a trabalhar. Inventa o tailleur de tweed debruado, o conjunto de saia e casaco mais imitado de sempre, a carteira 2.55 (nascida em fevereiro de 1955) com a corrente dourada e os sapatos beges com a frente em preto. Estes três exemplos são grandes sucessos na sua carreira, considerados verdadeiros ícones da mulher elegante. A princesa Grace do Mónaco adorava o seu estilo e tornou-se uma das suas clientes mais famosas.
O peso da solidão
Nos últimos anos, os grandes amigos já tinham morrido. De todas as suas oito relações, nenhuma foi duradoura. Amou, mas terá sido amada? Sofria com o isolamento dos últimos anos e agora restava-lhe ver e ser vista no Ritz. “A solidão provoca-me terror e vivo numa solidão total. Pagaria para não estar sozinha”, confessou. Com 87 anos, recordaria que na infância sentira a mesma solidão, “que formou o meu carácter e endureceu o meu coração, que é orgulhoso”. Nunca encontrou a verdadeira felicidade. Como confessou a Paul Morand: “Fui muito infeliz. Tive uma vida que, vista de fora, parece ser brilhante”. Em 1971, morre no seu quarto de hotel. Foi enterrada, como desejava, no cemitério de Lausanne, num túmulo sem lápide onde brilham cinco leões. O leão era o seu signo, e o número cinco corresponde à feminilidade, ao prazer e à perfeição da beleza da mulher.
Por: Alberto Miranda