
Desde muito cedo, ainda criança, André Gerardo andava pelas cozinhas e restaurantes do pai, descascava batatas e até fazia pão torrado. Este foi o princípio da sua ainda curta vida como chef, onde já se revela muita experiência e uma grande capacidade para criar sabores poderosos acompanhados de texturas que elevam todos os sentidos. Depois de passar por cozinhas reconhecidas, aprendeu técnicas que vai revelando na sua ímpar gastronomia.
É verdade que a sua primeira experiência de cozinha foi a descascar batatas?
É mesmo. Eu quase nasci numa cozinha e, em vez de estar num carrinho, lembro-me de estar nas caixas de plástico das bebidas. Os meus pais têm negócios de restauração e, como, na maioria das vezes, não tinha com quem ficar, ia com eles para o trabalho; tinha 8 anos e já descascava batatas e colocava o pão a torrar. Vivi muito aquele ambiente e gostava, por isso foi inevitável estudar Cozinha.
Como foi o seu percurso académico?
Fiz o curso profissional, licenciatura e mestrado na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, onde ainda dou aulas. Fiz também um mestrado em Inovação e Artes Culinárias e fiz muitos workshops. Considero que a formação é bastante importante para desenvolver competências em todos os setores e, no que diz respeito à cozinha, o estudo é uma constante. Não fui por engano estudar Cozinha; sabia que não seria um percurso fácil porque muitas vezes a vida pessoal fica em segundo plano, mas é uma dádiva estarmos a produzir algo para outras pessoas saborearem com prazer. Comer é um dos atos mais bonitos que existe no ser humano.
Por isso há tantos eventos onde a comida é personagem principal.
Cada vez mais o cliente procura experiências gastronómicas que fiquem na memória, quer seja através de serviços de catering ou em restaurantes. Na Imppacto, onde estou atualmente, os clientes vão mais além dos serviços que proporcionamos e pedem muitas vezes um formato inspirado em poetas, localidades, isenção de consumo de carne, pratos com insetos e outras situações. Cada pedido é quase uma tese de mestrado; é preciso investigar e estudar a fundo o tema para depois fazer a criação. É um desafio constante.
Quais foram os principais locais por onde passou?
Depois da licenciatura, fiz um estágio no Hotel D. Pedro, em Lisboa, tanto na cafetaria como no restaurante italiano Il Gattopardo, passei pelo Hotel Palácio, no Estoril, em estágio, e estive também no Altis Belém, na cafetaria Mensagem e no Feitoria – aqui deram-me responsabilidades para que sentisse que o lugar também era meu, senti-me da equipa e não um estagiário. O chef João Rodrigues tem uma maneira de ver a cozinha muito diferenciadora, basta olhar para o Matéria, projeto que fundou, e que nos une a todos, produtores e consumidores.
Teve uma experiência pouco usual ao cozinhar num festival de música.
Sim, foi a Cozinha do Rock e foi muito interessante, estávamos no stand da grande superfície Continente e tínhamos de dar a conhecer uma cozinha incomum ao público que estava no Rock in Rio, era uma espécie de MasterChef, mas mais rápido. Os festivaleiros tinham de confecionar os pratos em vinte minutos, foi uma experiência muito interessante e engraçada e ainda usufruímos dos espetáculos do festival.
Depois dos restaurantes, assume a direção da cozinha de uma empresa de catering. Alguma razão para mudar?
Quando fiz o mestrado em Inovação e Artes Culinárias, participei numa experiência muito interessante que era desenvolver pratos à volta do tema “A Saudade” e, entre outros patrocinadores, estava a Imppacto. Foi muito interessante porque envolvemos todos os sentidos nesta experiência gastronómica. E começou assim a minha relação com esta empresa de catering; durante uns tempos colaborava pontualmente. Depois, a partir de 1 de abril de 2022, passei a estar a tempo inteiro, como chef executivo. É interessante porque os nossos serviços, ou organização de festas, são um pouco fora da caixa e podemos servir as refeições em casas particulares, quaisquer locais de norte a sul do país e temos o nosso espaço na Quinta da Pimenteira, em Lisboa, no Monsanto. Os serviços podem ser só para duas pessoas e estamos preparados para ir até às 5000 se for necessário.
O que se pode saber das experiências gastronómicas fora da caixa?
Na Imppacto estamos a desenvolver novos conceitos de cozinha; o que pretendemos é envolver todos os sentidos num único momento, que é o ato de comer. Os olhos são os primeiros a comer e, antes de a garfada ir à boca, os olhos já saborearam. Depois, quando a garfada vai à boca, há uma explosão de sabores e, se tivermos elementos crocantes, há também a função auditiva. Muitas vezes utilizamos diferentes texturas para que a sensação na boca seja diferente. Isto é muito interessante, principalmente nos serviços temáticos. Também criamos louça para estes e outros momentos, por exemplo casamentos, o que torna a experiência mais memorável.
Desenvolve ainda workshops e experiências numa espécie de laboratório.
Sim, temos o Food Design Lab, que é composto por uma equipa interdisciplinar com foco na gastronomia e design para o desenvolvimento de produtos, serviços e experiências. É um espaço de experimentação, colaboração e partilha de conhecimento com os nossos parceiros e clientes, e está aberto a todos os interessados em gastronomia. Aqui, o nosso objetivo é proporcionar experiências que fiquem na memória de todos.
Ganhar uma estrela Michelin é importante para si?
Acredito que todos nós tentamos progredir na carreira o máximo que conseguirmos e, se houver a possibilidade de ganhar a estrela Michelin, é bom, claro. Agora isso está fora de questão, porque não há este galardão para chefs que trabalhem catering. Mas tenho como objetivo um dia ter o meu restaurante e, se conseguir ganhar a estrela Michelin, será excelente; se não conseguir, não fico preocupado, o que tiver de ser será. Tenho é de viver hoje e esperar que o amanhã seja vivido com maior intensidade do que o que já passou. Nunca planeei nada, nunca procurei nada, deixei que a vida me levasse ao sabor do vento; é viver um dia de cada vez porque os momentos e acontecimentos vão surgindo.
Quais os produtos que mais gosta de confecionar?
Não tenho um produto de eleição, acima de tudo gosto de trabalhar com bons produtos, seja quais forem. Cada vez mais, utilizo produtos locais e sazonais, de produtores ou microprodutores nacionais; é importante irmos ao encontro destas pessoas que tanto precisam e nos podem facilitar produtos diferenciadores e da época.
Algum prato de autor que possamos conhecer melhor?
O menu do aniversário da F Luxury era todo de autor. Esta publicação despertou os meus sentidos porque tudo teria de ser sublime. Mas o que destaco como prato de autor é a garoupa que foi servida. E qual é a receita? Muito simples, temos de ter a equipa certa e haver muito carinho e paixão.