Num mundo em constante mudança, há marcas que atravessaram ou ultrapassaram um século de existência. Ao longo dos tempos sobreviveram a guerras, adaptaram-se, anteciparam tendências, modernizaram os seus serviços, mantendo mais que nunca a qualidade de outros tempos. Estando a F Luxury a fazer 8 anos, quisemos revelar algumas destas marcas centenárias, talvez como sinal daquilo que nos anuncia o futuro ou só por uma sentida e merecida homenagem.
Leitão & Irmão
Ourives que contam a História de Portugal
Decorria o ano de 1822 quando a ourivesaria Leitão & Irmão iniciou atividade na Rua das Flores, no Porto. O obreiro José Pinto Leitão regista a marca e inicia um fabrico popular e das suas mãos saía o coração, a arrecadada e os cordões de ouro tão usados na época. Em 1866, a perspicácia dos irmãos Narciso e Olindo leva-os a outras geografias onde adquirem novos materiais e investem em maquinaria. Ao mesmo tempo, abrem lojas em Paris e Londres. Em 1873, a Casa Leitão é reconhecida como Ourives da Casa Imperial do Brasil por D. Pedro II e, em 1877, o rei de Portugal D. Luís I concede-lhe o título de Joalheiros da Coroa, o que origina a mudança para Lisboa, onde estava a corte. É no coração da Baixa Pombalina, em pleno Chiado, onde todos os acontecimentos se faziam ouvir, que, em 1877, os irmãos Narciso e José Leitão abrem a loja que ainda hoje se mantém e, ao mesmo tempo, faziam de um antigo palacete no Bairro Alto a oficina. Daí até aos nossos dias foram contando os momentos mais importante da História de Portugal em ouro e prata e criavam peças para reis, rainhas, personalidades de vários sectores e Papas. Entre 1895 e 1900, produziram uma das maiores obras de ourivesaria em Portugal, a baixela Baraona, desenhada por Columbano Bordalo Pinheiro. Diz-se que a arte nova chega a Portugal pelas peças de joalharia da Leitão & Irmão e não pela arquitetura, a prova pode estar no faqueiro de prata criado por Jaime Leitão, amigo de René Lalique, e registado em 1917 que ainda se mantém em produção. A joalharia que criou a coroa de Nossa Senhora de Fátima, peças para os irmãos Bordalo Pinheiro, Salvador Dalí, João Cutileiro e outros artistas continua a manter na sua equipa experientes mestres ourives que manufaturam peças originais e outras personalizadas e serviço de restauro e manutenção. À frente desta casa e marca bicentenária está agora Jorge Leitão, que aposta numa loja online ao mesmo tempo defende boas práticas na origem dos materiais, imprimindo em cada peça um luxo sustentável.
Ach. Brito
Fragrâncias que ultrapassaram as fronteiras do tempo
Há um prelúdio nas histórias antes de serem contadas, e a fábrica de sabonetes Ach. Brito é um bom exemplo. Quinze anos antes da sua fundação, em 1903, o português Achilles Brito torna-se guarda-livros ou, como se diz agora, contabilista da empresa Claus & Schweder, fundada pelos alemães Ferdinand e Georges. Cinco anos mais tarde, Achilles, com o vasto conhecimento da faturação e do fabrico dos cosméticos, fica sócio da empresa que adotaria a denominação de Claus Porto. Após a I Guerra, a empresa é nacionalizada, e Achilles, o experiente guarda-livros, familiarizado com o fabrico dos produtos, funda, no Porto, em 1918, com o irmão Affonso, a Ach. Brito. Mas a vocação de empreendedor, muito presente nestes homens do Norte levaram a empresa a comprar, em 1925, a Claus & Schweder, dando continuidade à atual marca de luxo da Ach. Brito, a Claus Porto. Logo nos primeiros anos foram lançados muitos produtos ainda comercializados. A visão a longo prazo dos irmãos Brito fez as fragrâncias atravessarem o tempo, e Portugal não seria o mesmo sem o sabonete Patti e a água de colónia Lavanda. A qualidade dos produtos foi elevada pelos rótulos, na época, pintados à mão. Pouco mais de cem anos depois, a Ach. Brito – Claus exporta para mais de cinquenta países e está presente em dezenas de lojas nacionais, e os seus sabonetes fizeram uma aparição no programa da Oprah Winfrey. E com 22 anos, em 1994 o bisneto do fundador, também Aquiles de Brito, agora sem “ch” tomou a decisão de comprar, com a irmã Sónia, a maioria do negócio de família, que estava a atravessar momentos conturbados. Os novos irmãos Brito inovaram levando os produtos para o segmento premium. Não correu da melhor forma, e a empresa, em 2015, passou a ser controlada por um grupo de investidores, mantendo Aquiles. Mas, por certo, o que é da família retorna sempre e, em 2022, a mais antiga fábrica de sabonetes e produtos de perfumaria, sediada em Vila do Conde, voltou à linhagem Brito.
Azulejos Viúva Lamego
A viúva que revela a história do azulejo em Portugal
A produção de azulejos no país teve uma enorme procura a partir do século XIX, muito devido ao Brasil, sendo esta uma forma de proteger os edifícios do calor e humidade. E, neste tempo, em 1849, António Costa Lamego abre, no Largo do Intendente, uma olaria. Para chamar a atenção dos clientes, forra a fachada com azulejos da autoria de Luís António Ferreira, conhecido por Ferreira das Tabuletas. Em 1876, após a morte do oleiro, a fábrica e a empresa adotam o nome de viúva Lamego; naquele tempo, as proprietárias, quando os maridos faleciam, ficavam sem nome e surgiu a denominação de Viúva seguido do apelido do cônjuge. Assim, nasce a Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego. E começa a produção de peças utilitárias em barro vermelho, faiança e azulejos em barro branco. Mas a procura pelo azulejo era tanta que se optou por fazer só estas peças. Na chegada do século XX, a Viúva convida artistas para desenharem nos azulejos e passa a ter ateliers próprios. Em 1930, a unidade fabril muda para as laranjeiras, ficando até 1992, ano em que se fixa na Abrunheira, em Sintra. O edifício no Intendente servia para exposição e venda. Um dos artistas que impulsionou a ideia inovadora da Viúva foi Jorge Barradas, o trabalho realizado na fábrica mudou o paradigma da cerâmica em Portugal, ao mesmo tempo que inspirou outros artistas como Manuel Cargaleiro e Querubim Lapa. Na segunda metade do século passado, o azulejo ganha expressão para os artistas, e Maria Keil não fica indiferente a esta possibilidade. Assina para a Viúva Lamego muitas obras, destacando os painéis de azulejo de dezanove estações do Metropolitano de Lisboa. Assim os espaços públicos passam a ser território de artistas e ganham arte, que pode ser vista por todos. Foram estes projetos que associaram a arte contemporânea à azulejaria, trazendo novos artistas como Joana Vasconcelos, Siza Vieira, André Saraiva e muitos outros. Em 2017, Gonçalo Conceição, assumiu a liderança da Viúva Lamego, depois do acordo com a Aleluia Cerâmicas, que nasceu da fusão de quatro empresas do segmento, onde se incluía a Viúva Lamego, que continua a ser um território fértil para artistas de onde saem peças que daqui a um século contarão outra história.
Livraria Bertrand
Quase trezentos anos a contar histórias
Fundada em 1732, e reconhecida pelo Guinness World Records, a livraria Bertrand é a mais antiga do mundo em funcionamento. Foi inaugurada, na Rua Direita do Loreto, em Lisboa, por Pedro Faure, de origem francesa, nesse mesmo ano, talvez com o nome do empresário. Nos anos quarenta do século XVIII, época em que muitos livreiros franceses se instalaram em Portugal, os irmãos Pierre, seu genro, e Jean Joseph Bertrand chegam à sociedade, que adota o nome de Pedro Faure e Irmãos Bertrand. Após o falecimento do sócio-fundador, a 11 março de 1753, os irmãos assumem o negócio. Tudo corria bem até ao terramoto de 1755, que arrasou a livraria, e Pierre, desolado, abandona a sociedade. Jean Joseph Bertrand foi resiliente e não desistiu, procurando outro local e instalando-se perto da Capela de Nossa Senhora das Necessidades, num local conhecido por Senhor Jesus da Boa Morte. Dezoito anos depois, em 1773, regressa à reconstruída Baixa Pombalina e faz renascer, no Chiado, polo dos intelectuais de Lisboa, na Rua Garrett, a livraria que se mantém até agora. Após a morte de Jean Joseph, a viúva, Marie Claire Rey Bertrand, sempre vestida de sedas negras, assumiu o negócio com o filho. E, também aqui, a empresa foi denominada Viúva Bertrand e Filho. Em 1791, a livraria apresentava quase 170 títulos e muitos outros podiam ser encomendados de vários países. Depois de 34 anos à frente do negócio, Marie Claire morre, em 1812, e o filho Jorge Bertrand assume a livraria. Porém a saúde frágil leva-o a falecer, deixando no comando outra viúva, a sua mulher Marianna Borel. Com a morte do último Bertrand, a livraria passa a ser gerida por José Fontana, que organiza, com Antero de Quental, as Conferências do Casino. Após a sua morte, em 1876, Nobre França e, mais tarde, José Bastos assumiram a gerência da Bertrand, por onde passaram quase todos os grandes escritores de várias épocas. Os anos passaram, a livraria nunca fechou e, em 2010, o Grupo Porto Editora compra a livraria que já contava com 278 anos, fundada por Pedro Faure. Nos dias de hoje, a Bertrand, quase nos 300 anos, é uma referência ímpar além-fronteiras, contando com mais de cinquenta livrarias em Portugal e uma loja online.
Vista Alegre
Do pó de pedra à porcelana que vai à mesa de reis e republicanos
Perto de completar 200 anos, a Vista Alegre foi a primeira empresa de porcelanas em Portugal. Foi fundada em 1824, pelo fidalgo da Casa Real, José Ferreira Pinto Basto. O empresário, com vastos conhecimentos químicos, nascido no Porto, comprou, em 1812, a Quinta da Ermida, muito perto da ria de Aveiro, e, em 1816, arrematou em hasta pública a Capela da Vista Alegre com os terrenos envolventes e foi instalada a Fábrica de Porcelana da Vista Alegre. A 1 de Julho de 1824, o rei D. João I concede o Alvará Régio que permitia o funcionamento da unidade fabril. Após cinco anos de produção, recebe o título de Real Fábrica. Nos primeiros anos, por desconhecimento da composição da pasta de porcelana, as peças, de vidro e cerâmica, foram produzidas em pó de pedra. Em 1880, já sem o fundador no comando da fábrica, o trabalho em vidro terminou e as porcelanas passam a ser o principal produto. Mas não eram perfeitas, faltava o essencial, uma argila, o caulino, capaz de suportar a fusão dos componentes, que não havia em Portugal em quantidade suficiente. Como a sorte protege os audazes, em 1832, o funcionário da fábrica Luís Pereira Capote encontra um jazigo de caulino em Aveiro, próximo de Ílhavo, o que tornava o seu transporte relativamente fácil. É possível que até esta data ninguém soubesse para que servia este minério. O fundador contrata os melhores artesãos para produzir as finíssimas porcelanas na fábrica que empregava 125 operários. Um dos seus quinze filhos, Augusto Ferreira Pinto Basto, ruma à francesa Manufacture Nationale de Sèvres para estudar os melhores métodos para trabalhar a porcelana. A contribuição do artista Victor Rousseau fui fundamental para esta arte, permitindo a criação de uma escola de pintura ainda hoje famosa. Em 1851, as porcelanas da Vista Alegre são expostas no Crystal Palace, em Londres, com grande sucesso. E, em 1852, D. Fernando II visita a fábrica e encomenda uma baixela. Na Exposição Universal de Paris de 1867, a Vista Alegre recebe pela primeira vez um prémio universal. Durante os anos seguintes e até ao fim da Grande Guerra, as perturbações sociais levaram a empresa para dificuldades. Mas o espírito de firmeza instruído pelo fundador e a manutenção da escola de desenho e pintura foram fundamentais para a continuação da empresa que já se foi modernizando. Em 1924, João Theodoro Ferreira Pinto Basto inicia um período de grande crescimento. A introdução do estilo art déco e funcionalista revelou, no início do século XX, uma empresa dinâmica, moderna e inovadora.