Nasceu em Santarém no meio de uma família numerosa, onde havia sempre comemorações. Os aromas que chegavam da cozinha despertaram no chef David Costa a vontade de levar esses sabores para a sua cozinha. Depois da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa passou pelas melhores cozinhas da capital, começando no Hotel Ritz, depois Eleven ao lado de Joachim Koerper e pelo Assinatura com o Henrique Mouro. Recebeu um convite para a Califórnia, fez as malas e dez meses depois de abrir o Adega, recebeu a Estrela Michelin.
Como aconteceu abrir um restaurante na Califórnia?
Foi um convite, eu trabalhava em Portugal, e os proprietários do Adega desafiaram-me a abrir um restaurante, calhou ser na Califórnia por decisão de todos. Aceitei a proposta e reformulei o conceito. É também importante salientar que aqui em São José está a segunda maior comunidade portuguesa dos EUA, por isso fazia todo sentido arriscar e apostar numa cozinha de sabores tradicionais da nossa terra.
E pouco tempo depois de abrir recebe a Estrela Michelin.
Quando abrimos o Adega o objetivo era ter um bom restaurante português, na Califórnia. Queríamos trabalhar bem os nossos produtos e ao fim de dez meses de estarmos abertos, em dezembro de 2015, recebemos a primeira vez a Estrela. Foi um pouco surpreendente e foi uma alegria. Embora não fosse um objetivo naquele momento, no futuro iria pensar em trabalhar para a Estrela.
Foi e é fácil encontrar produtos utilizados na gastronomia portuguesa?
Como há aqui uma grande comunidade portuguesa já havia muitos produtos e há algumas empresas que trazem muito do que é nosso, de certa forma foi simples, exceto o vinho, isso foi mais difícil. Trabalhamos com oito empresas e algumas só têm dois vinhos, nós só temos vinhos portugueses, trabalhamos cerca de quinhentos vinhos diferentes. Temos por cá também bons azeites, azeitonas entre outros condimentos que usamos. Conseguimos ter bom atum e sardinha, polvo e às vezes outros peixes e também mariscos. No caso dos vegetais, só utilizamos biológicos e temos os nossos fornecedores, com o tempo fomos descobrindo o que havia por perto e sempre tentámos ter o melhor produto possível.
Como viveu o momento pós primeira Estrela Michelin?
Essa foi a parte mais complicada, porque a partir desse momento há uma pressão extra, primeiro porque o volume de trabalho aumenta consideravelmente, antes dávamos quarenta a cinquenta jantares e passámos para cem, às vezes um pouco mais, isto todos os dias. Tivemos de aumentar a equipa e num curto espaço de tempo criámos soluções para que o patamar da qualidade não saísse beliscado. Trabalhámos muitas vezes durante a noite até estar tudo afinado e garantir qualidade no momento de abrir as portas.
Essa pressão ainda existe?
O período pós-estrela é um bocado stressante, não no sentido de trabalho, nós temos consciência do que fazemos e até onde podemos ir, é mais uma pressão extra no sentido de haver mais responsabilidade de a manter. Tentei sempre encarar este facto de uma maneira tranquila. Confio nas pessoas que trabalham comigo, confio no meu trabalho e tento pôr essa pressão de lado e trabalhar de forma tranquila, garantindo que todos os clientes que vêm ao Adega têm um excelente serviço e uma excelente comida todos os dias.
Neste momento, qual é o menu do Adega?
É tudo típico de Portugal, temos sopa da pedra, as carnes vão numa terrina, trabalho o caldo e os feijões, e vai tudo à mesa de forma individual, não destruindo o sabor original porque este é também um dos meus objetivos, manter aquele sabor de conforto mesmo que o prato tenha um aspeto diferente. Servimos também bife à portuguesa que acompanha com inhame, como se fosse batata-palha, a lembrar os Açores, fazemos também um croissant de inhame, a carne é Angus do Japão e leva ovos de codorniz estrelados. No menu há também carabineiro com abalone — há aqui uma quinta biológica que os produz, em água do mar, às vezes tenho abalone que vem dos Açores. A sobremesa neste momento é o pudim de Abade de Priscos. Resumindo, o menu é composto por sete pratos que se transforma em treze, porque fazemos complementos e um deles é sardinha de três maneiras e o empratamento é numa sardinha da Bordallo Pinheiro.
Trabalhou com grandes chefs como Joachim Koerper e Henrique Mouro, o que aprendeu nesses tempos?
Sim, trabalhei quase quatro anos no Eleven, com o chef Joachim Koerper, com quem aprendi muitas técnicas mais antigas e outras mais modernas, muitas internacionais e outras mais portuguesas; havia sempre produtos e técnicas diferentes do habitual. Com o Henrique foi mais o aspeto da transformação dos pratos portugueses em fine dining. Isso foi, aliás, um dos motivos que me levou a trabalhar com ele; para mim é o melhor a fazê-lo. Um chef faz de uma maneira, e outro faz de outra; o meu objetivo era tirar o máximo de informação possível de todas as pessoas com quem trabalhei. Independente de serem chefs ou só colegas de profissão, e com isso acabei por criar a minha identidade e a minha própria cozinha.
Como foi que despertou para a cozinha?
Em casa sempre cozinhamos todos, com a minha mãe e avó. À mesa sempre havia boa comida. A casa estava sempre cheia com familiares e amigos. Somos quatro irmãos e temos uma família enorme, havia sempre muitas festas em nossa casa ou numa dos nossos familiares. O meu irmão mais velho também estudou Cozinha e quando começou a trabalhar despertou ainda mais o meu interesse, e acabei por ir para a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. Nunca me arrependi.
O que mais gosta de comer, quais são os seus sabores secretos?
Gosto de tudo. Quando cozinho para mim, é tudo muito simples, se estou sozinho apanho cereais e já está, mas a verdade é que gosto mesmo muito da nossa comida, adoro a Sopa da Pedra que a minha avó fazia e a minha mãe também faz, apesar de fazer e ter no menu parece que o sabor não é igual. Eu relaciono muito a refeição com família e casa e talvez por isso às vezes parece que o sabor não fica igual, no tempero falte o calor e amor da família. Há uma sobremesa que nunca mais comi desde que a minha avó faleceu, há três anos, é aletria, nem sequer tentei fazer e nem quero comer só para não estragar o sabor da minha avó, que guardo na memória. É tão simples, mas tenho medo de não conseguir esse sabor. Mas um dia vou ter de voltar a comer e não sei o que acontecerá. A comida que fazemos deve fazer-nos regressar à infância, criar o sentimento de regresso às boas memórias, as nossas sensações estão muito nos sabores.
Alguma vez teve a sensação de que um cliente voltava à infância?
Já aconteceu fazer uma carne de porco à alentejana e um cliente disse que ao saborear sentiu que estava em casa da avó, o sabor e cheiro levaram-no à infância, isto foi gratificante para nós. Para mim foi dos maiores elogios que tive, a preocupação não foi saber se estava bom ou não, não era o que está em causa, o que comandou foi o ser levado à infância, a casa.
Abriram também um outro conceito também muito ao gosto português.
Sim, temos o Petiscos, abrimos há dois anos e aqui trabalhamos muito a sardinha fresca, não nos chegam de Portugal, são japonesas. Mas como é um produto tão nosso acabámos por criar pratos tradicionais apresentados de maneira um pouco diferente. Temos também a pastelaria San José, tudo na Califórnia.