No mundo do luxo assistimos a vários paradoxos, e o ano de 2023 promete pôr em causa algumas das nossas expectativas mais convencionais. Poderíamos pensar que um cenário económico de recessão, com guerra na Europa, inflação e taxas de juro a subir, iria arrefecer a vontade das pessoas comprarem joias ou sapatos de luxo. Mas não, as perspetivas para o mercado de luxo, aparentemente contraintuitivas, são bastante otimistas não só para 2023 mas para toda esta década até 2030.
O mercado de bens pessoais de luxo atingiu em 2022 vendas globais acima de 350 mil milhões de euros, com um crescimento impressionante de 22 por cento face ao ano anterior. E isto depois de uma recuperação em V em 2021, que já ultrapassou o ano recorde de 2019! Estes são os dados do mais recente estudo da Bain-Altagamma, que estima um crescimento de cinco a sete por cento neste mercado nos próximos anos.
2022 foi um ano atípico no luxo, que interessa aprofundar para perceber algumas das principais tendências em 2023. O mercado chinês tem sido o grande motor do crescimento do luxo, sobretudo as gerações millennial e Z. Mas em 2022 a China esteve em lockdown, e o boom nas vendas de luxo veio sobretudo dos Estados Unidos e em menor grau da Europa. Parte deste consumo veio do gigantesco pacote americano de estímulo pós-pandemia, de cerca de dois triliões de dólares, que acabou por financiar as compras de sneakers e carteiras das grandes marcas de luxo. Algum deste consumo foi feito nas capitais europeias, onde os turistas americanos aproveitaram a subida do dólar para fazer as suas compras. Nós na Europa não recebemos um apoio tão generoso, mas apesar disso assistimos ao regresso em força do cliente local.
Ao contrário dos animais de Orwell, que são todos iguais (embora alguns sejam mais iguais do que outros), os clientes de topo são muito diferentes. Dentro do universo de cerca de 400 milhões de clientes, que compram desde o batom Dior a 30€ ao Aston Martin DBS de 300.000€, o topo desta pirâmide tem um peso desproporcionado. Os clientes do top cinco por cento representam cerca de quarenta por cento das vendas no mercado de luxo. Ou seja, há uma grande concentração do volume de negócios do luxo nos clientes de topo. Não admira que as marcas estejam a reforçar as suas estratégias VIC (very important client) e VVIC (very very important client) para conquistar e construir relações de confiança.
São estes clientes – HNWI (high net worth individuals) e UHNWI (ultra high net worth individuals) – com uma grande capacidade financeira, que explicam as perspetivas de crescimento futuro do mercado de luxo. A criação de riqueza global das últimas décadas deu origem a um número crescente de milionários e bilionários, com reflexo direto no crescimento do mercado de luxo. Este novo ciclo económico, com a queda nos mercados financeiros (e correspondente redução da riqueza) e a subida das taxas de juro vão com certeza arrefecer os impulsos consumistas da base alargada de clientes, e as marcas focadas no chamado “luxo acessível” vão ser impactadas.
Tal como os clientes, também as marcas de luxo diferem entre si. Assistimos a uma crescente concentração nas marcas de topo. As grandes marcas – Armani, Chanel, Louis Vuitton, Hermès – tornaram-se ainda maiores e mais poderosas, e destacam-se cada vez mais das marcas mais pequenas. Os grandes grupos de luxo – LVMH, Kering e Richemont –, cujas marcas reforçaram o posicionamento no topo da pirâmide do luxo, estão a colher os frutos desta estratégia, com excelentes níveis de vendas e rentabilidade. De acordo com a Deloitte, as dez maiores empresas de luxo detêm uma quota de 56 por cento das vendas totais, e 84 por cento dos lucros! Acredito que vamos ver ainda mais concentração, com os próprios grupos de luxo a fazer compras de marcas independentes mais pequenas e financeiramente mais vulneráveis.
São muitas as mudanças neste sector, pelo que gostaria de focar dois temas de grande impacto. Começo com a sustentabilidade, que está cada vez mais no topo da agenda de todos os líderes de empresas, no luxo e não só. Mas o tema não se limita à sustentabilidade ambiental, o desafio é muito mais complexo, conhecido pelas siglas ESG – Environmental, Social and Governance.
Os produtos de luxo, por definição, têm uma qualidade de materiais e manufatura que permite uma longa vida. Há marcas que promovem ativamente a transmissão das peças para as próximas gerações, como acontece com a marca relojoeira Patek Philippe, que usa o slogan You never actually own a Patek Philippe. You merely look after it for the next generation. Mas a joalharia e relojoaria são diferentes da moda e acessórios. No caso da moda, e sobretudo da fast fashion, o impacto ambiental é muito relevante, as marcas de luxo estão ativamente a trabalhar para reduzirem esta pegada e muitas já definiram objetivos Carbono Zero nas suas estratégias. No mercado automóvel de luxo, a regulamentação europeia já impõe exigências quanto à eletrificação, que obriga as marcas todas a fazerem grandes mudanças nos seus modelos de negócio. Até a mítica Ferrari já anunciou um modelo full electric em 2025… mas com o mesmo som emocionante de um motor V12, graças a uma nova tecnologia patenteada pela marca italiana.
Algumas marcas de luxo têm liderado esta transição “verde”. A pioneira Stella McCartney, além de vegan e de usar materiais reciclados nas suas coleções desde a criação da marca, em 2001, desenvolveu uma ferramenta com a Google para quantificar o impacto ambiental do algodão e viscose, para assegurar a sustentabilidade da cadeia de produção. Desenvolveu um novo material para substituir a pele animal, Mylo, feito a partir de “couro” de cogumelos, que é usado nos seus acessórios.
Outra forma de reduzir o impacto sobre o planeta é produzir menos e dar mais vida aos produtos existentes. O mercado de segunda mão, também conhecido por preloved, está a explodir, com vendas esperadas de trezentos mil milhões de euros esta década. As plataformas RealReal e Vestiaire Collective surgiram para dar nova vida a tudo o que está esquecido no armário. É um mercado que promove a circularidade e a longevidade de produtos que são feitos para durar. Algumas marcas de luxo estão a adotar esta oferta, que permite revender a mesma peça em vez de produzir peças novas, como é o caso da Burberry e Oscar de la Renta. A grande aliada deste processo é a tecnologia, sobretudo blockchain, que permite monitorizar os produtos ao longo de todo o ciclo de vida, com controlo de origem e autenticidade.
Também são os avanços tecnológicos que têm vindo a acelerar a digitalização dos negócios de luxo. A Web 3.0 é uma oportunidade para elevar toda a experiência de luxo, sobretudo para os exigentes clientes das gerações millennial, Z e Alpha. Estes nativos digitais, que representam uma fatia crescente dos clientes de luxo, esperam ser surpreendidos pelas marcas enquanto jogam Fortnite ou fazem compras no Instagram. Daí ser cada vez mais relevante a estratégia omnicanal 3.0, com integração das lojas físicas, e-commerce, social commerce, além do metaverse e dos novos ativos digitais (NFT). Ainda estamos no início desta nova realidade, onde algumas marcas de luxo têm sido líderes na inovação.
2023 promete ser um ano de crescimento no mercado de luxo, sobretudo com a abertura da China e o regresso do turismo de compras. Vamos ver mais concentração no topo do mercado, tanto de clientes como de marcas. A inovação vai acelerar não só a transição “verde” como novos mercados, produtos e experiências. O paradoxo do luxo vai continuar a surpreender.