Depois de ter seguido um percurso nas artes visuais, onde trabalhou em gestão das artes e curadoria, Cláudia Camacho decidiu abraçar a carreira de perfumista, tornando-se a primeira mulher a lançar um perfume em nome próprio em Portugal. Atualmente, está a desenvolver a sua trilogia de perfumes feitos com matérias-primas naturais de Sintra, está a empreender a criação de uma rota olfativa que abrange todo o país e a explorar paralelismos entre perfumes e vinhos. Fomos conhecer um pouco melhor esta interessante senhora que responde também pelo nome The Fragrant Lady.
Durante mais de 17 anos esteve envolvida em gestão das artes e curadoria, tendo enveredado depois pelo percurso de perfumista. Como é que isto aconteceu?
As mudanças não acontecem de um dia para o outro. Ou seja, para quem vê de fora essas mudanças, até pode parecer um processo abrupto, mas, para quem as vive e para quem as vai desenhando, o processo pode ser até bastante longo. Estava muito insatisfeita e infeliz com o que fazia. A morte da minha mãe veio espoletar essa insatisfação e criar uma urgência. Tendo nós tão pouco tempo nesta vida, sendo tudo tão efémero, por que razão teria eu de continuar a acordar todos os dias para ser infeliz? Não foi fácil abandonar a minha formação base (licenciatura e mestrado em História da Arte), contudo, decidi agarrar-me a um grande amor de sempre, a perfumaria, e fui especializar-me em Londres.
Tornou-se a primeira mulher perfumista independente em Portugal. Como foi que isto aconteceu?
A maioria das pessoas usa perfume, mas esquece-se que há alguém que tem de o criar. Em Portugal, a trabalhar de forma independente, existo eu e mais dois homens. É uma área pouco divulgada em território nacional, no entanto, mundialmente, gera milhões. Ter toda a liberdade do mundo para criar perfumes sem estar agarrada às normas e modas ditadas pelos grandes players do mercado é um paraíso. Fugir do normal, dos perfumes “limpinhos”, dos perfumes fáceis é um desafio maravilhoso que só de forma independente, neste mercado, é possível concretizar.
A Cláudia responde também pelo nome The Fragrant Lady. É uma marca sua? Um projeto?
A minha mãe é frequentemente evocada como “uma senhora sempre tão perfumada”. Quando criei o primeiro perfume, o Mystery, lancei-o em nome próprio. No entanto, nas redes sociais acabei por adotar o nome The Fragrant Lady, um elogio à minha mãe. Registei a marca e, em 2023, os próximos perfumes já irão sair debaixo dessa chancela. Sendo o meu mercado maioritariamente internacional, o nome da marca em inglês também ajuda.
Encontra-se a desenvolver uma trilogia de perfumes dedicada a Sintra. Porquê esta vila e porquê três perfumes?
Apesar de ter vivido alguns anos em Madrid, em Bratislava e em Londres, o meu poiso é Sintra. Inclusivamente, o meu primeiro trabalho com contrato foi no Palácio Nacional de Sintra. Conheço a zona muito bem e sou uma apaixonada pelos seus mistérios e encantos. É preciso ter uma grande capacidade de entrega a algo superior a nós para conseguirmos entranhar Sintra. Olfativamente, consegui harmonizar Sintra em três perfumes; uma trilogia cujos nomes foram inspirados em obras de Eça de Queiroz, um também apaixonado pela zona: Mystery (um perfume que é uma ode às humidades, nevoeiros e penumbras da serra); Relic (um perfume floral com um grande foco no passado); e Tragedy (uma viagem pelos ares oceânicos e pelas vinhas de Colares).
A Cláudia possui um projeto mais amplo: uma espécie de rota olfativa que pretende dar a conhecer o território português através de aromas próprios. Como é que concebeu a concebeu e porquê?
A rota olfativa Portugal by Nose vai ter o seu lançamento em breve. Em 2021, sendo Portugal relativamente pequeno em termos geográficos, comecei a pensar na importância de se refletir o país em termos turístico-olfativos. Uma convocatória promovida no âmbito da candidatura dos Açores a Capital Europeia da Cultura fez-me viajar até à ilha Terceira. O projeto-piloto nasceu ali. Traçar todo um mapa olfativo de Portugal é um projeto ambicioso e que só abarcando várias áreas ganha sentido: a gastronómica, a botânica, a literária e a social. Portugal apresenta-se assim como o primeiro destino do mundo a ser promovido pelo olfato. Normalmente, promove-se um destino pela visão e pelo paladar. Portugal vai fazer diferente.
Cítricos, aromáticos, amadeirados, adocicados… qual a sua preferência em termos de perfume?
O perfume tem de me definir, e eu não sou uma pessoa facilmente definível. Gosto de um floral muito bem trabalhado. São raros, mas ainda existem. Gosto de matérias-primas ligadas ao passado, gosto que um perfume conte uma história através da sua evolução na pele (algo quase impossível com os sintéticos usados na perfumaria nos dias de hoje). Gosto de perceber que vou sentir-me incompleta se não o usar. Se isso acontecer, estou, sem dúvida, perante um grande perfume.
Também é conhecida por associar fragâncias a vinhos. De que forma explora estas similitudes?
Ora aí está uma grande surpresa que acabou por esgotar a minha agenda de 2022. Trabalhei muitos anos num meio onde se faz apanágio de uma linguagem hermética, fechada. O mundo da arte tem tendência a ser muito arrogante, inacessível. E não é que fui encontrar essa mesma linguagem na crítica de vinhos? O mais interessante é que comecei a questionar que tipo de conhecimentos olfativos tinham aquelas pessoas que descreviam um vinho como se estivessem a descrever uma pintura de um Mondrian. Fiquei irritada, confesso. Um vinho bebe-se, usufrui-se, assim como uma peça de arte. Sempre fui contra elitismos no mundo artístico. Tendo tudo isto em mente, comecei a fazer sessões onde cheiramos matérias-primas e vinhos. As linguagens são muito semelhantes. Tanto no mundo dos perfumes como no dos vinhos existem notas, estágios, macerações, maturações, etc. E a magia deu-se. Posso dizer que devem ser, neste momento, as provas de vinho mais procuradas em Portugal. Os eventos esgotam. As pessoas adoram-nos e recomendam-nos. E são desconstruídos alguns mitos sobre os aromas presentes nos vinhos. Uma ideia vencedora, sem dúvida.
O que a motiva a prosseguir como perfumista?
A constante descoberta. Em termos olfativos, em termos botânicos, em termos químicos, em termos históricos. A perfumaria é tudo isto e é um mundo encantador. Casa muito bem com a minha personalidade: se eu já não estiver a aprender nada, há uma etapa da vida que tem de ser terminada para outra ser começada. A perfumaria, sendo ela sempre tão viva em forma de conhecimento, acabou por me dar uma estabilidade ocupacional de que eu há muito já necessitava.
Num futuro próximo, quais os seus projetos?
Em 2023, darei por terminada a trilogia dedicada a Sintra com o lançamento dos perfumes Relic e Tragedy. A rota olfativa Portugal by Nose terá o seu início em março e com este projeto grandioso terei basicamente o ano fechado. Terei ainda de ter tempo para os team buildings e aromatização de eventos cada vez mais solicitados por parte das empresas. Quanto ao resto, é deixar fluir.