Perfecionista por natureza, pintor por intuição, gestor e criativo por paixão e ambição. Victor Borges foi, durante quase uma década, o diretor da área de acessórios, sedas e têxtil da Hermès, em Paris, onde criou coleções que foram expostas em museus e, ao longo da sua carreira, trabalhou com diversas marcas, como Prada, Chanel e Armani. Agora, está de regresso a Portugal, mais precisamente ao Alentejo, a região que escolheu para fixar o seu novo projeto na área da hotelaria. À F Luxury revelou pormenores inéditos sobre o percurso profissional que o levou a viver em sete países e revela os motivos que o fizeram regressar “a casa”, volvidos mais de 20 anos.



Por Sofia Santos Cardoso
O que significou integrar a equipa de uma marca com o prestígio e notoriedade internacional da Hermès, enquanto diretor da área de acessórios, seda e têxtil?
Foi, sem dúvida, uma das mais importantes experiências profissionais da minha vida. Integrar uma das melhores marcas com um tal grau de qualidade ajudou-me a perceber que, para atingir a excelência, é necessário muito trabalho e, sobretudo, muita paixão pelo belo. Na Hermès, não há espaço para o supérfluo, todos os detalhes são importantes, pois só assim se consegue atingir o perfeito equilíbrio entre o estético e a durabilidade e intemporalidade.
Que qualidades acredita que tem e que foram cruciais para este percurso na Maison?
Sou um perfecionista por natureza. Sou um apaixonado por desafios e sou bastante versátil e curioso. Adoro a gestão e amo a criatividade e esses são dois elementos-chave que me ajudaram a crescer, enquanto líder.
Os lenços de seda que, no início do século XX, conquistaram algumas celebridades, como Jacqueline Kennedy, tornaram-se num ícone da Hermès. Que critérios seguia na escolha das sedas para cada nova coleção?
Trabalhava com a melhor qualidade de fio de seda do mundo, o que faz, desde logo, toda a diferença. Abri caminho a uma nova geração de desenhadores e criativos, a quem encomendava os padrões para as duas coleções anuais de seda. Desenvolvi, também, várias edições de lenços em série limitada, as Hermès Éditeur, para as quais convidei artistas de renome mundial, como Hiroshi Sugimoto e Julio Le Parc. Essas edições foram muito importantes, pois foi através delas que consegui desenvolver novas tecnologias de impressão e de produção têxtil da seda. As coleções foram expostas em museus e vendidas a colecionadores de arte em todo o mundo.
A carteira “Kelly” é um dos modelos mais icónicos da Casa, depois de Grace Kelly ter sido fotografada com ela, em 1956, bem como a “Birkin”, lançada em 1981, em homenagem à atriz Jane Birkin. A que se deve o sucesso destes modelos?
Talvez por terem sido figuras importantes no mundo das artes (música e cinema) e por terem sido grandes embaixatrizes que marcaram uma geração da moda e da elegância. Creio que a história por detrás da criação do modelo Birkin é interessante. Trata-se de um encontro entre Jean-Louis Dumas [presidente da Hermès entre 1978 e 2006] e Jane Birkin durante uma viagem de avião… O acaso fez com se cruzassem e que, em conjunto, criassem essa peça icónica.
Que valores encontrou na Maison e que faz hoje questão de aplicar no seu contexto profissional e, até mesmo, na sua vida pessoal?
A atenção aos detalhes, o hábito de observar e escutar a natureza, de acompanhar a evolução da sociedade e de “alimentar a mente” com as coisas boas e bonitas que a vida nos dá. Continuar a ser humilde, sem deixar de ser exigente.
Trabalhou com várias marcas do segmento de luxo, como a Chanel, a Prada e a Armani. O que considera essencial assegurar na direção criativa destas marcas para se manterem atrativas?
Inovar e dar liberdade à criação, sem preconceitos. Gerir uma equipa de criativos é, acima de tudo, saber respeitar cada ideia, por muito boa ou má que seja, para poder definir os objetivos a atingir.
Foi também o diretor da loja Louis Vuitton na Avenida Champs-Élysées, em Paris. Quais foram os maiores desafios que encontrou, enquanto diretor de uma das lojas mais visitadas e bem-sucedidas da marca?
Fui um dos primeiros diretores a gerir uma loja do segmento de luxo com uma equipa de 350 pessoas. Conseguir formar uma equipa de managers capaz de aliar ambição comercial e qualidade de serviço foi, sem dúvida, o maior desafio. No primeiro ano, entraram nessa loja mais de dois milhões de pessoas e as vendas foram triplicadas em dois anos.
No início da carreira, trabalhou como delegado de informação médica. Como foi parar à Moda e o que o encantou neste setor?
Foi por casualidade. Durante uma exposição que fiz de pintura, em Milão, conheci a família Mantero [fundadores da marca Mantero, empresa têxtil italiana, criada em 1902] que estava, nesse momento, a reorganizar a empresa. Acharam interessante o meu percurso profissional… Tinha experiência em direção geral, falava sete línguas e era pintor. Esses três elementos fizeram com que me convidassem para ficar a cargo de uma equipa de 130 criativos.
Aos 50 anos, e depois de viver fora do País durante mais de vinte, decide regressar a Portugal. O que o levou a tomar esta decisão?
Os 50 anos são um marco importante na vida de uma pessoa. Nessa altura, era membro e conselheiro da diáspora portuguesa no mundo e pude observar o que estava a acontecer em Portugal. De um pequeno país, quase esquecido até então, começamos a ser vistos como um pequeno paraíso, onde o clima e a segurança eram uma mais-valia. Eu próprio comecei a redescobrir o que de melhor tínhamos. Depois de ter vivido em sete países, de ter viajado imenso e de ter conhecido muitos continentes, apercebi-me que temos tantas coisas melhores em Portugal. Por isso, decidi dar o passo e regressar a casa.
Em 2020, decide lançar-se na área da hotelaria e fundar o boutique hotel “Dá Licença”, em Estremoz, no Alentejo. Como surgiu esta ideia?
Estava à procura de um lugar para vir passar férias e, ao visitar esta herdade, no Alentejo, fiquei apaixonado pelo pôr-do-sol e pelas paisagens a perder de vista. É uma natureza intacta, que faz parte da Reserva Ecológica Nacional, com um extenso olival tradicional, com 13 mil árvores da variedade galega, e uma vista a 360º graus. Em criança, vinha muito ao mercado de Estremoz para comprar os enchidos e queijos alentejanos que a minha mãe adorava… Sempre gostei muito desta cidade que conseguiu manter o seu encanto ao longo dos tempos.
Como está a correr este desafio numa área totalmente nova para si?
Tem sido um trabalho muito árduo, porque reúne imensas coisas numa só atividade. Para além da necessária construção e recuperação dos edifícios, entre tratar do olival e do jardim, e cuidar da horta e cozinhar, não tenho mãos a medir. Mas como o trabalho nunca me assustou, continuo a sentir um grande prazer no que faço. É gratificante poder estar na origem de um projeto novo.
O conceito deste hotel foi pensado por si?
Foi pensado a dois, com o meu parceiro e sócio Franck Laigneau, que teve durante mais de 20 anos uma importante galeria de arte, em Paris. O “Dá Licença” tem um espólio de arte único. Todos os espaços são diferentes e são decorados com peças de arte originais. Tem 120 hectares para apenas cinco suítes e quatro quartos, com quatro piscinas e uma horta biológica…
De que forma pretende marcar a diferença no panorama turístico em Portugal?
O “Dá Licença” é um retiro de paz para quem quer fugir da multidão e fazer uma pausa no tempo. É um lugar de contemplação e muito romântico, quase utópico. Há muito tempo que se diz que o novo luxo é ter tempo e espaço. No entanto, são poucos os projetos que foram pensados para proporcionar isso às pessoas, porque a certa altura acabam por dar prioridade à vertente comercial. Costumo dizer que, enquanto pequeno país, devemos apostar, acima de tudo, em projetos que proporcionem qualidade e exclusividade. Portugal tem de apostar na diferença e não pode cair na tentação de ser um destino turístico low cost.
Quais são as mais-valias, do ponto de vista turístico, de Portugal e da região do Alentejo?
O clima e a paisagem variada de norte a sul. O Alentejo é a maior região do país e tem uma das menores densidades populacionais da Europa. Para além disso, tem pouca poluição e é por esse motivo que ainda podemos observar o seu céu estrelado. Talvez o Alentejo seja a parte mais “exótica” de Portugal por oferecer mar e uma natureza ímpar. São qualidades que se tornam cada vez mais importantes neste desafio ecológico que estamos a atravessar.
Que projetos tem para o futuro?
Costumo olhar para o futuro com muita positividade. Algo que tenho aprendido com a idade é que devemos, a todo o custo, aproveitar cada momento da vida. Espero poder continuar a sentir prazer no que faço e conseguir preservar a minha liberdade e o meu livre-arbítrio.
Entrevista publicada na edição #26 da revista F Luxury