
Somou golos, vitórias e ergueu troféus. Considerado o melhor jogador do mundo de futebol pela FIFA, em 2001, Luís Figo construiu uma carreira longa e repleta de sucessos. O ídolo e, sem dúvida, a referência de várias gerações é hoje empresário e o criador da Fundação Luís Figo.
Aos 44 anos, fala-nos da sua atual carreira e dos seus projetos futuros…
1. Começou por jogar no clube “Os Pastilhas” e, mais tarde, passou pelo Sporting, Barcelona, Real Madrid e Inter de Milão. Que memórias lhe traz este percurso no futebol?
Uma grande mistura de memórias, porque foram várias as etapas, desde o tempo em que jogava na rua com os amigos e toda a trajetória até chegar ao mundo profissional. Um caminho que se fez com instinto e também com as incertezas de não se saber aquilo que iria acontecer, mas sempre com uma paixão e uma dedicação muito grande ao futebol. Tive a felicidade de poder jogar nos melhores clubes do mundo, de poder dedicar-me àquilo de que mais gostava. Mas tenho a consciência de que tudo aquilo que consegui e conquistei foi fruto de muito sacrifício, de muita entrega, porque sem isso não teria conseguido permanecer e ter a carreira que tive.
2. Hoje, passados anos de ter deixado o futebol, ainda lhe é reconhecido o seu talento no mundo inteiro. Alguma vez ambicionou vir a treinar a seleção? Porque não optou por uma carreira como treinador?
Nunca tive a ambição ou a pretensão de ser treinador de futebol. Talvez porque, apesar do futebol ser a minha vida e de lhe estar ainda ligado direta ou indiretamente, tive uma carreira longa e conheço bem o que é a profissão de um jogador, assim como a de um treinador. Como jogador tem que se sacrificar muito, a 100 por cento, e como treinador esse sacrifício, essa dedicação, tem de ser a 150 por cento. Enquanto jogadores, treinamos, jogamos e temos a gestão do tempo feita pelo clube, mas quando se é treinador a preocupação é muito mais abrangente e absorve muito mais. Para além disso, por muito bom treinador que se seja, muitas vezes os resultados podem não ser os que se ambicionam…Penso ser uma pessoa mais vocacionada para a parte da gestão, de dirigente. Gosto bem mais desta área do que estar no campo, embora tenha curiosidade sobre o que poderia dar como treinador. E se o fosse, um dos meus objetivos seria o de treinar a seleção nacional. A seleção é uma das paixões da minha vida e, como português e patriota, acho que deveria ser uma experiência única e um privilégio.
3. Ser presidente da FIFA é algo que ainda está nos seus planos?
Nos planos imediatos, não. Recentemente houve eleições e tem de se deixar trabalhar o novo presidente, ver o que vai acontecer nos próximos anos e tirar as conclusões desse trabalho,dos seus resultados, mas no futuro não ponho de parte essa possibilidade, dependendo sempre de como estão as coisas em termos de gestão do próprio organismo e da sua imagem. Mas, sem dúvida, a candidatura foi extremamente positiva para mim e tiro as melhores ilações dessa experiência.
4. Os angolanos têm a imagem do Figo ainda muito presente. Qual a mensagem que deixa a todos os seus fãs em Angola?
Em relação a Angola há um sentimento de proximidade, pois tenho lá amigos e visitei o país várias vezes. Sei perfeitamente que o continente africano tem um amor e uma grande paixão pelo futebol. Por isso, sempre que lá estive, senti-me em casa. Agradeço toda a amizade e carinho que me proporcionaram ao longo da minha carreira e sempre que estive no país. Também gostaria de passar uma mensagem de carinho a todos os angolanos, com a esperança de que melhores tempos virão. Acredito na riqueza que existe em Angola, não apenas em recursos naturais, mas no profissionalismo e na qualidade das pessoas. Estou confiante que possam dar a volta e fazer de Angola um país fantástico.
5. Criou a Fundação Luís Figo, em 2003, para apoiar jovens carenciados ou com deficiência. O que o inspirou a lançar este projeto?
Na altura, estando ainda no ativo, pensei que através da minha imagem, dos meus conhecimentos e da intenção decontribuir para a melhoria das condições de vida de alguns jovens, através do desporto, poderia ser útil. Foi então que decidimos constituir a Fundação, que atua no território nacional em diferentes áreas de intervenção social. Ao longo destes anos temos trabalhado no sentido de criar condições de credibilidade para efetuar este tipo de trabalho social e ajudar a fazer coisas positivas, sem qualquer benefício. Tem sido este o principal objetivo.
6. Como presidente, de que forma se envolve na seleção dos projetos que a sua Fundação desenvolve?
Trata-se de uma Fundação sem fins lucrativos, com o seu conselho de Administração, as suas auditorias, e sem qualquer benefício fiscal, por ser privada. A partir daí, nas reuniões do Conselho, decidimos que projetos apoiar, consentâneos com a missão da Fundação e as condições financeiras. Em equipa, decidimos aquilo que anualmente vamos fazer.
7. Sendo que esta revista também sai em Angola, poderá a Fundação Luís Figo vir a desenvolver projetos sociais neste país?
Há uns anos atrás tivemos um jogo solidário em Angola, para angariar fundos, mas acabou por não correr muito bem, pois estes nunca chegaram. De qualquer forma, a nível africano, já apadrinhámos uma família com crianças em Moçambique, e estamos sempre abertos a podermos expandir e a sermos mais globais. Embora as necessidades que existam no nosso país sejam, à partida, mais que muitas, e a nossa estrutura não seja assim tão grande, estamos sempre abertos a efetuar qualquer tipo de parceria, desde seja dentro do nosso âmbito de ação.
8. Como empresário, tem investimentos em vários campos, como o imobiliário e a hotelaria.Sente-se realizado como tal? O que mais o atrai nesta área?
Sou atraído pela curiosidade de poder produzir, de estar em ação e ocupado. Mas, acima de tudo,pela vontade de estar presente nas áreas que eu considero serem boas. De certa forma, diversificar o investimento, não ficar unicamente numa área de negócio e estar atento a oportunidades que vão surgindo. Acho que é extremamente aliciante ter essas oportunidades para depois poder decidir se enveredo por este ou aquele caminho. Tomo as decisões mais de acordo com o meu feeling do que propiamente por gostar ou não de investir. Gosto de ter o bom sabor de coisas que posso começar e que acabam por funcionar. Essa satisfação de realizar algo produtivo que vemos nascer, que acompanhamos, e que funciona.
9. O facto de ter sido jogador de alta competição influencia o método como gere os seus negócios?
Embora em campos diferentes, no momento de decisão ou de pressão acabam por ser duas coisas parecidas. Porque no futebol existe sempre a pressão de termos que render a um alto nível, de termos que produzir, e nos negócios, nos momentos mais decisivos, há que ter essa mesma cabeça fria, essa tranquilidade, para podermos decidir da melhor forma. Acho que são mundos diferentes que, em determinados momentos, se assemelham.
10. Apresentou, recentemente, um novo projeto no Web Summit, em Lisboa. Pode adiantar-nos em que consiste?
Era um projeto que já existia e que foi melhorado. Trata-se de uma aplicação que apresentámos, mas o projeto começou como uma página web. É parecido com o You Tube, mas dedicado a jovens que querem ter uma oportunidade no futebol e não têm a possibilidade de serem vistos. É como uma plataforma de scouting, onde temos parcerias com diferentes clubes e fornecemos informação dos jovens que nós achamos que têm qualidades para singrar no futebol. Servimos como ponte do sonho de muitos jovens –o de chegara uma equipa profissional– que não têm oportunidade de o mostrar. Através desta plataforma, proporcionamos essa oportunidade.
11. Onde é que se vê daqui a 10 anos? Que metas que tem para o futuro, tanto pessoais quanto como empresário?
Ter saúde, para poder continuar a ter os meus momentos de prazer, a desfrutar da minha família, a acompanhar os projetos que tenho e outros que surjam, mas sempre tentando ter qualidade de vida. E fazer as coisas de que me dão mais prazer: viajar, acompanhar o futebol… embora, normalmente, não seja uma pessoa de fazer projetos a longo prazo. Sou mais uma pessoa do presente.
12. Qual é a chave do sucesso da sua vida?
Ter a sorte de ter uma família que me dá o equilíbrio para o «desequilibrado» que sou, em certos momentos. É extremamente importante, porque muitas vezes sou impulsivo e não consigo dizer que não, mesmo a coisas básicas e simples, e é sempre importante ter uma estrutura familiar que nos dá o tal equilíbrio. E respeitar todos aqueles que me querem bem e que me respeitam. E desfrutar da vida. Porque hoje estamos, mas amanhã não sabemos o que vai acontecer…
13. Deixou algum sonho para trás?
Em termos profissionais, não. Cumpri todas as etapas que foram surgindo. Talvez a conquista de alguma coisa importante, em termos nacionais, com a Seleção, mas não fico a sentir a falta de nada em termos desportivos. Não me posso lamentar daquilo que conquistei e estou grato por aquilo que tive. Acho que tiro ilações positivas da minha carreira e não me lamento por não ter conquistado alguma coisa. Em termos pessoais, nunca exijo ou peço muito, o mais importante é desfrutar da vida. Eo que tiveem termos profissionais permite-me, neste momento, ter qualidade de vida. Sou feliz, e se continuar assim até ao resto da minha vida, nada mais peço.